Pular para o conteúdo principal

Ricardo III está cancelada ou Cenas da vida de Meierhold, de Matéi Visniec (É Realizações Editora)


A segunda peça do romeno Visniec das seis enviadas a mim pela editora trata de um tema para mim sumamente simbólico e importante: o "julgamento" e assassinato de Meierhold pelo regime stalinista (refiro-me a assassinato não tanto pela morte em si, mas pela morte em vida desse que foi desmembrado sumariamente por um regime que não aceitava nada a não ser ele mesmo). Meierhold, para quem não conhece, foi um ator, diretor e encenador russo que apesar de nunca trair o ideal revolucionário do governo russo foi condenado à morte pelo seu trabalho, mundialmente reconhecido, de renovar e revolucionar o teatro soviético e mundial.
O estilo de Visniec está também à toda nesta também breve peça - breve, sim, mas com 21 atos. São situações envolvendo a encenação de Ricardo III, do bardo, da pegação no pé pelo regime, que - como sabe todo aquele que ouviu falar da caça às bruxas enquanto o bigodudo permanecia vivo - ia do explícito ao ridículo, passando pelo absurdo, em estratagemas que faziam de tudo para silenciar tudo aquilo que poderia se passar por antirevolucionário - algo que em última instância já nem fazia parte do panorama da censura e autocensura dado o absurdo das situações que, contudo, eram reais. Visniec, no caso, pinta as situações com pinceladas de absurdo a todo momento, o que se por um lado nos leva a encarar as situações com certa parcimônia por outro nos deixa o sabor da dor de quem não sabia mais o que fazer para ser o que era - no caso, o próprio Meierhold.
Fato é contudo que enquanto leio as obras de Visniec acompanho algo da trajetória do russo por outros livros, e aproximo-me mais e mais da dureza das situações. Mas não posso esperar tanto para escrever a respeito. Preciso ater-me às peças, somente. Estas, nota-se, seguem sempre um estilo característico: atos breves, personagens meio absurdos, situações estranhas, desenlaces que sempre parecem deixar algo por fazer. É o estilo do sujeito. A respeito do qual procurarei bibliografia - é interessante, realmente.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...

29/7 (a partir de 28) - Teatro e artes

Ontem, ao ouvir o Gerald, quanto a como coloca a musica (depois), e depois ainda, ao ver uma musica passando pela partitura (e me deixando uma impressao de impossibilidade de traducao em algo mais), percebi que a arte finalmente havia voltado a assumir um lugar inextrincavel em mim. Finalmente percebi novamente que ela existia em mim para algo alem da minha vida, e percebi tambem que qualquer motivacao extemporanea (tipo celebridade, valor em si, razao) para ela era, alem de inutil, irrelevante. Percebi isso e na hora me libertei de coisas ao meu redor imensas, que me faziam sentir amargurado por um peso muito grande. Como se eu DEVESSE atribuir algo aa minha vida por me sentir pequeno demais para tudo o que investi nela. Isso fez com que eu tambem entendesse que, quando QUALQUER COISA for bem feita, ja EE arte em si, e por isso mesmo entendi o valor da edicao no cinema, da atuacao, da luz e tudo mais. Tudo adquiriu de repente um valor maior, para alem da vida inclusive.