O Apartamento Byob é um espaço super bem localizado em Pinheiros dividido em 3 pisos. A peça em questão acontece no primeiro piso, antigamente um apartamento. Super bem decorado, o espaço da peça nos dá um ar nostálgico de rua Augusta e é ambientado com músicas de balada. Cheguei meio cedo - venho de longe e escapo do rodízio. Enquanto espero a peça, beberico um chá e verifico a beleza atual dos ambientes.
De repente, eis que surgem os personagens - atraindo a atenção por falarem mais alto que a galera presente. Não me lembro do nome dos personagens - não sou bom de nomes. São um rapaz/senhor homossexual e três mulheres, uma entre 20 e 30, outra com exatos 30 e ainda outra com mais de 30.
Comemoram a passagem dos 30 anos da personagem de exatos 30, a mulher de 30 anos. Comentam assuntos diversos, desses que os amigos sempre comentam. Mostram-se amigos, todos, sem contudo disfarçarem os entreveros. Desde já ficam claras as características de cada um, com as escolhas prévias, tomadas por cada um, com as consequências decorrentes. O espectador é posicionado diante de uma e de outra. O sexo é, claro, a grande pedida.
Saem três deles. Somos colocados diante do mundo interior da aniversariante. Ela fala em voz baixa como se fosse consigo mesma mas direcionada ao outro que é o público. Não me lembro muito bem do que é que ela fala, sei apenas que suas escolhas passam a assumir nova espessura.
Direcionados a outro ambiente, está lá o homem fingindo orgasmo, fazendo um exercício com a ponta do pé direito. Elas acompanham. São minutos tensos em que vemos o homem se esgarçar e defender sua postura, justo ele, que faz agora filmes de sexo explícito sem penetração. Discutem especialmente a mulher de 30 (agora numa cena anos depois) com a mulher acima de 30. Esta é autora de livros de auto-ajuda, com todos os mal-entendidos e consequências decorrentes, autora que fica sempre na superfície de tudo, como não poderia deixar de ser, mas que anda com o bolso recheado, algo que os outros de certa forma invejam - menos a mulher de 30, esta, meio idealista. Rolam mais breves entreveros, saem três deles e deixam a mulher com acima de 30.
Ela, como a primeira, também abre sua vida diante de todos. Somos defrontados face a seus dilemas, suas decepções, suas pequenas conquistas nesta época em que a profundidade vai por água abaixo, numa exposição mais dramática do que com a primeira, a mulher de exatos 30. Saímos.
Chegamos num terceiro ambiente em que os três - menos a mulher de menos de 30, que guia os outros - desempenham números de dança ambientados na época disco. Ele ensina à mulher com acima de 30 como fazer certos movimentos, enquanto a mulher mais jovem guia todos, um a um, passo a passo, e estabelece aquilo de que precisa - será feita uma peça. A mulher com exatos 30 reluta. Diz que não gosta da música. Diz que não quer. É aos poucos convencida pelos outros. Entra numa dança, isolada, em que demonstra seu bloqueio físico e incapacidade de realizar movimentos específicos. Tudo bem engraçado. Coloco-me em seu lugar. Saem todas, abre-se o espaço a que ele faz direito.
Ele narra seu penúltimo relacionamento de 3 anos, em que o parceiro quis a separação. Relata seu sofrimento, aquilo que esperava, aquilo que sem esperar ficou a ver navios e sua desesperança em relacionamentos, após o choque. Narra que o parceiro quis voltar e como ele o mandou duas vezes à merda. É triste, o perfil. Triste o perfil desse que se destaca pela alegria e vontade de viver e de se apaixonar.
Saem todos, caímos num quarto ambiente, que se passa enquanto todas assistem um vídeo. Este retrata um encontro entre todos eles. Não consigo entrar muito bem naquilo que se diz. Fico mal apoiado e acabo me distraindo. De repente, uma delas narra que ele se matou com um tiro na boca e a tristeza após o que aconteceu. O esgarçamento da amizade, o egoísmo de quem se foi e nada deixou no lugar. Acabo me emocionando, sem saber muito bem por quê.
Percebo de repente o que é que me impede de avançar, emocionalmente falando. A cena continua e fico com um peso no coração, algo que eu não esperava. Permaneço parado, tentando me concentrar no que é dito, mas não consigo. Percebo a função do teatro, o lugar que ele jamais deixará de ocupar. Entendo.
A quinta cena se dá no 36o aniversário da até então mulher com pouco mais de 30 anos. Blablabla, elas comemoram, dá-se a oferta do bolo (falso) e o apagar de velas. C'est fini.
Saio bem impressionado. Aquilo que eu imaginava, pelo título e subtítulo, algo rasteiro mostra-se algo comovente. Coloco-me no lugar dos amigos praticamente sem tê-los - mas na esperança, ainda. Fico com algo forte, outro peso, no coração, que na conversa com a Gabriela, uma das atrizes, acaba sumindo de vez - sinal dos tempos. Some a tal ponto que minha conversa com o autor torna-se esmaecida, tentando justificar a existência de algo que não consigo sentir mais. O primeiro peso continua e levo-o comigo.
O Lucas, o autor, é um sujeito que vi pela primeira vez na fila de uma peça do Marião. Depois o encontrei no face do mesmo, opinando sobre a peça Mulheres - opinião da qual discordei, mas isso é secundário. Depois, encontrei-o no club noir, numa situação em que ficava claro que ele queria mais se isolar, algo que respeitei. Não sei como fiquei sabendo da peça que acabei de ver. Sei apenas que, com tudo isso que contei, senti que havia algo de interessante no ar. Não me decepcionei.
A peça rola toda terça nesse espaço bem no fim da Oscar Freire, perto da Sumaré e da Doutor Arnaldo.
É lindo. Vale a viagem e a pena. Além do que comidas e bebidas são de graça.
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