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Mostrando postagens de abril, 2014

Estatísticas - Abril 2014

Uma gripe mal-curada e o palco

Pela primeira vez, estive diante da situação de precisar atuar estando bem atingido por uma gripe que estou tentando bem-curar, mas não tendo muitos bons resultados. Não estava hoje tão mal assim. Conseguia respirar direito e a tosse não era tão forte quanto há alguns dias - permaneci de molho estes feriados, praticamente na íntegra, lendo e escrevendo até que bastante. Mas aconteceu que, durante a primeira cena de Clavículas, deu-me uma substancial perda de força durante a fala e praticamente nada me sai da boca. Bem ao contrário de alguns meses atrás, quando, praticamente afônico, sem voz, consegui retirar sei lá de onde forças para fazer minha parte no palco. Foi durante À Queima-Roupa, do e com o Marião. Fiquei olhando o Pablo, meu partner, com um olhar aparentemente desolado, tentando cumprir minha parte, e atribuir força ao personagem do segurança; força talvez seja errado dizer, melhor seria dizer tônus. E consegui, ao menos em parte, principalmente na hora de dobrar o braço

Wilson por Müller

Comprei com a Rossiley, a autobiografia de Heiner Müller. Mas, ao contrário do que disse a ela - algo que percebi quase imediatamente depois da compra e de folhear o livro, não é tanto o Müller ou seu teatro o que me interessou e interessa mais. Lá, no livro, Müller fala do seu contato - pessoal e artístico - com Bob Wilson. Não vou reproduzir o que está lá escrito, só digo que dá muito o que pensar. Dá muito o que romper. Dá muito o que tentar. O teatro de Bob Wilson atinge pelo inusitado, às vezes, mas em mim especialmente por sua disciplina - férrea, que deixa bem claro o que o teatro pode e deve exigir de quem o escolhe como arte mater. Nada a tirar ou pôr. Disciplina sempre, acima de tudo, até do talento.

Para quê tanta plateia

Esta terça (hoje), ocorrerá mais uma apresentação de cenas das chamadas Garotas do Contrera (como o Marião as apelidou). O grupo foi montado por mim com amigas para apresentação de cenas de teatro num sarau, o chamado Sarau da Terça, da amiga Ivone FS. Até agora, houve apresentações em dezembro, janeiro e março. A primeira foi comigo e a Gabriella Spaciari, a segunda, com seis atrizes, e a terceira com duas duplas. Desta vez, haverá uma dupla, eu apresentarei um texto e cantarei em seguida Ray Charles. Seria inviável eu lhes dizer tudo o que tenho aprendido com a experiência. Mas lhes digo algo que aconteceu nas últimas apresentações (das duas duplas). Desde o começo do grupo, eu foquei o trabalho em cenas. A gente não conversa muito antes. Não é minha pretensão ensinar nada - como se pudesse. Eu simplesmente faço cenas para as duplas, peço a opinião delas - se gostaram, em seguida fazemos as leituras - eu diria que, aqui comigo, inaugurei a prática, na medida em que antes eu nunca t

Trajetória recentíssima rumo ao entendimento da arte contemporânea

Os insights durante os ensaios de Esperando Godot, pela Garagem 21, do César Ribeiro, e as influências advindas do pessoal que lá frequenta, levaram a que me deixasse atrair pela arte contemporânea (quadros, esculturas, performances, etc.). Não que ela não me fosse atraente antes. Era. Ocorre que não me sentia à vontade de inferir por conta própria insights relativos à arte plástica (considero o teatro uma arte plástica) sem necessariamente passar por leituras que pareciam brecar minha criatividade - como por exemplo as discussões sobre teatro pós-dramático. Não que não viremos a discuti-las. Mas elas não me brecam mais, e as indicações do César trouxeram-me bastante ar puro (além do fato de que não considero que pensar ocorra em solidão, pensar nós o fazemos em conjunto e quase em conluio). Bom, comecei a comprar livros sobre arte contemporânea brasileira (só me falta o do Mammi, além de alguns outros clássicos) e a lê-los sofregamente. Aconteceu em meio às leituras que vim me deparar

"Temporada de Caça", peça de Sérgio Mello, em Coleção Primeiras Obras

Comprei o livro do próprio Sérgio em outubro do ano passado curioso com sua produção. Levei todo esse tempo para ler a primeira peça do livrinho. Temporada de Caça mantém o título enigmático até o finzinho. Tudo ocorre numa sociedade que desde o começo aparece como o fim do mundo da ignorância. Eva e Elisa, mãe e filha, conversam sobre como pode ocorrer a vida de ambas após o acidente que vitimou a segunda e que a deixou manca, ela com mais de XX anos (mantenho o XX para não tirar a graça da história), e a morte do irmão, Mauro, chacinado por ser da torcida rival de uma galera que invade o ônibus em que ele e seu amigo, Rosemiro, estavam. Bom, isso resume boa parte da trama. Mas não tira a graça de nada. A trama é realista, isso fica claro já de cara. Mas o tratamento que o Sérgio dá às reviravoltas da peça fazem-nos crer, por pouco, muito pouco, que estamos numa espécie de teatro do absurdo. Tudo é solucionado só ao fim, ao finzinho mesmo da peça. Tudo fica claro, inclusive o tí

"A Empresa (A Possessa)", peça de Hilda Hilst, em Teatro Completo, de Hilda Hilst

Hilda tem sido há alguns anos uma incógnita para mim. Vez ou outro me topo com alguma fã incondicional, com toda ou quase toda sua obra em casa, e também vez ou outra vejo alguém falando dela em algum lugar, ou algum texto e peça dela sendo encenados. Hoje mesmo parece que tem uma sendo feita na cidade, pelo que vi. Mas nunca a havia lido. Digo, em teatro - nem em poesia, de que não tenho mesmo nada dela. Tive porém, há algumas semanas, o azar de começar a ler suas peças pela introdução da Renata Pallottini, que me desanimou fortemente por situá-la em um dos aspectos mais óbvios dessa sua produção, que é o fato de as peças terem sido escritas de 67 a 69, em pleno regime militar, e por isso ter me causado a impressão - a Pallottini até toca a respeito - de essas peças serem sobremaneira datadas, ou seja, aparentemente sem muito interesse além disso. O azar foi que comecei a ler esta primeira - A Empresa - no ônibus e, somado a essa impressão, permanecido parado nisso mesmo, sem motiva

Só o básico

Tenho acompanhado diversos ensaios, em alguns grupos, sempre de amigos, e aprendido muito nos últimos meses. É sobre esses ensaios que gostaria de falar uns negócios. Eu sei que para alguns é difícil decorar falas. Eu também sei que a graça da interpretação está, a maioria das vezes, na interpretação - e não no trabalho árduo de decorar e de seguir tudo, criteriosamente, ao pé da letra. Sei também como é gostoso improvisar ou navegar fagueiro num texto já dominado. Mas olha só, eu digo texto já dominado. Pois nossa vida é mesmo complicada. Sempre temos mais para fazer, sempre falta-nos cada vez mais tempo, sempre temos novas direções para olhar, surgem novos amigos, surgem novas oportunidades e o escambau. Eu sei disso. Mas vejo na maioria dos ensaios que acompanho que muitos dos problemas e das limitações a que as montagens acabam chegando devem-se ao simples fato de que os atores não decoram, ou decoram mal, ou tentam queimar etapas e somar esforços na interpretação a simplesmen

Kerouac (de Maurício Arruda Mendonça), direção de Fauzi Arap, com Mário Bortolotto

Eu havia visto Kerouac no CCSP há vários anos. Na época, eu tentava fazer com que o teatro entrasse na minha vida de alguma forma indelével. Assistia algumas peças, sempre sozinho (minha esposa odiava), e saía fora sempre de fininho. Agora vi Kerouac novamente. Com o mesmo Marião. À época de outrora, minha ligação com o Kerouac e a geração beat, ou seus maiores expoentes, era rasteira. Não sabia quase nada do dito cujo, nem havia lido que seja trechos de On the road, nem sabia a importância de Burroughs, Guinsberg ou mesmo do Neal na vida do dito. Na verdade, só relativamente recente é meu encontro com a vida dele, e com sua obra. Como poderia não ficar assim tão afastado, se nada de minha vida tinha alguma parca relação com o estilo de vida de homens dedicados à literatura a ponto de sacrificarem virtualmente tudo por ela. Eu tinha meus arroubos literários, como todos, mas nada que pusesse meu estilo de vida a perder. Nem saber beber eu sabia (por traumas pessoais). E venhamos e co

Whisky e Hambúrguer (de: Mário Bortolotto, direção Mário Bortolotto; com Patrícia Vilela e Mário Bortolotto)

Eu havia pedido. O Marião me mandou então o texto da peça antes de vê-la ontem, na estreia em São Paulo. Mal imaginaria que ela iria me causar uma síncope. Não exagero. Eu comentei com ele: pôxa, Marião, justo sobre isso e comigo aqui, assistindo de camarote? Pois é. Ele comentou que eu sabia o que era aquilo. Ser abandonado. A peça mostra Roberto e Priscila conversando na casa dele, com ele há mais de uma semana na fossa de ter sido abandonado - comento hambúrguer e bebendo whisky sem parar. Com o cheiro característico. Apesar do George Foreman, o grill poder fazer legumes. A nova peça do Marião como que corresponde o desenlace dessa trilogia de que fazem parte Borrasca e A Pior das Intenções, a primeira só com homens, a segunda só com mulheres. Em ambas peças (as duas anteriores), a questão dos relacionamentos está patente - mas ainda com alguma expectativa a esse respeito. Em Borrasca, Gabriel comenta como se sentiu após ter sido traído pela mulher com o amigo recém-morto. Em A

Tríptico (de Samuel Beckett) (dir. Roberto Alvim)

fazia muito tempo que não assistia alvim. sim, assim mesmo se diz, assistir alvim. pois quem assiste uma vez o dito já sabe esperar o que lhe espera. tem marca. e fazia também bastante tempo que não assistia beckett. não em ensaios, que isso tem acontecido bastante - godot, no caso. (graças ao césar) em peça. em finalmentes. demoro para entrar na cabeça, em sua cabeça. são três textos - para o pior avante, companhia e mal visto mal dito. traduzidos pelo próprio alvim. não cotejei nada. nem teria como. a proposta de cair fundo no túnel do desespero - em meio a vislumbres das paredes do buraco negro - faz com que - bem ao meu gosto, mas algo que não consigo (ainda) fazer - o detalhe da interpretação avizinhe o céu e o inferno de quem se põe no lugar. nada de empatia, contudo. nada de einfühlen. três mulheres - galdino, spinelli, timberg - com as quais descemos. mas algo da saliva passa por mim batido. não consigo embarcar no grito. não consigo entender como a palavra pode se