Pular para o conteúdo principal

Só o básico

Tenho acompanhado diversos ensaios, em alguns grupos, sempre de amigos, e aprendido muito nos últimos meses.
É sobre esses ensaios que gostaria de falar uns negócios.
Eu sei que para alguns é difícil decorar falas. Eu também sei que a graça da interpretação está, a maioria das vezes, na interpretação - e não no trabalho árduo de decorar e de seguir tudo, criteriosamente, ao pé da letra. Sei também como é gostoso improvisar ou navegar fagueiro num texto já dominado.
Mas olha só, eu digo texto já dominado.
Pois nossa vida é mesmo complicada. Sempre temos mais para fazer, sempre falta-nos cada vez mais tempo, sempre temos novas direções para olhar, surgem novos amigos, surgem novas oportunidades e o escambau. Eu sei disso.
Mas vejo na maioria dos ensaios que acompanho que muitos dos problemas e das limitações a que as montagens acabam chegando devem-se ao simples fato de que os atores não decoram, ou decoram mal, ou tentam queimar etapas e somar esforços na interpretação a simplesmente ficarem no que está escrito. Entendo que quando a gente empaca a gente tenta avançar mais de outra forma. Mas é interessante como vejo atores que admiro não se preocupando com avançar até que tudo o de mais óbvio já esteja dominado.
Digo isso porque um ator amigo contracenou semana passada comigo e pude reparar como ele não avançava até que o básico já estivesse pronto. E ele já tinha o básico - o texto decorado - antes que eu pudesse me dar por mim. Foi curioso porque ele, em apenas 30 minutos, quando muito, já sabia o papel de cor e salteado e fazia malabarismos com a interpretação. Agora, sim, ele fazia malabarismos. Foi ótimo contracenar com ele. Foi interessante.
Foi engrandecedor.
O que não me retira o fato de que eu mesmo sou uma anta em decorar textos, falas, se bem que nem tanto quanto às marcações. Mas avanço.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...

29/7 (a partir de 28) - Teatro e artes

Ontem, ao ouvir o Gerald, quanto a como coloca a musica (depois), e depois ainda, ao ver uma musica passando pela partitura (e me deixando uma impressao de impossibilidade de traducao em algo mais), percebi que a arte finalmente havia voltado a assumir um lugar inextrincavel em mim. Finalmente percebi novamente que ela existia em mim para algo alem da minha vida, e percebi tambem que qualquer motivacao extemporanea (tipo celebridade, valor em si, razao) para ela era, alem de inutil, irrelevante. Percebi isso e na hora me libertei de coisas ao meu redor imensas, que me faziam sentir amargurado por um peso muito grande. Como se eu DEVESSE atribuir algo aa minha vida por me sentir pequeno demais para tudo o que investi nela. Isso fez com que eu tambem entendesse que, quando QUALQUER COISA for bem feita, ja EE arte em si, e por isso mesmo entendi o valor da edicao no cinema, da atuacao, da luz e tudo mais. Tudo adquiriu de repente um valor maior, para alem da vida inclusive.