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Mostrando postagens de agosto, 2014

Estatísticas - Agosto/ 2014

Bichado (de Tracy Letts, dir. Zé Henrique de Paula)

Tracy Letts é o autor da moda. Seja por filmes (Álbum de Família), seja por peças (Killer Joe, e esta, Bichado), o norte-americano tornou-se o queridinho de muitos que apostam num teatro hiperrealista e com mensagens subliminares interessantes. Esta montagem de Bug (nome original), dirigida por Zé Henrique de Paula, aposta, como o próprio Letts indica no original, num hiperrealismo ferrenho para contar a história de um ex-recruta que acaba caindo nos amores de uma mulher, uma garçonete, que vive só e que lhe dá guarida, a ele e aos seus fantasmas. Porque ele, personagem, tem fantasmas, e eles dizem respeito a "bichos", insetos, corpúsculos que, ele diz, tomam conta dele e do ambiente em que ele se aloja, sem se saber por quê. No começo, os insetos meio que "aparecem" por ruídos cuja fonte é então determinada. Depois eles aparecem mesmo, na cama - ele os vê, ela não -, no quarto, na sala, em todo lugar. O clima claustrofóbico criado pela direção num cenário

Dedicação

Tenho refletido bastante sobre o teatro e a dedicação necessária para desenvolver um trabalho consistente. E tenho concluído que sem uma dedicação constante o trabalho em teatro acabará sendo, para quem o pratica, apenas um complemento a um trabalho de ego ou um trabalho que jamais sairá do amadorismo. Por amadorismo não me refiro necessariamente a um trabalho em que a paixão seja o fator a levar o ator a produzir alguma coisa; por amadorismo refiro-me a trabalhos em que "tudo tanto faz", em que o resultado não visa atingir parâmetros de qualidade, seja de que aspecto for. Claro, dedicação implica tempo. Dedicação implica ensaio. Dedicação implica cumprimento de prazos e de atitude. Por atitude refiro-me especificamente a considerar que o que está sendo feito tem relevância suficiente para requerer seriedade e esforços de concentração superiores aos normais. Por tempo, considero que ator ou diretor que não dedica sequer duas horas por semana para trabalhar seu corpo ou tra

Pedras d'Água - bloco de notas de uma atriz do Odin Teatret, de Julia Varley (Teatro Caleidoscópio, Dulcina Editora)

Minhas andanças em busca de referências outras em trabalhos de grupo levaram-me a cair de boca nos textos escritos por Eugenio Barba em seu Odin Teatret, hoje com sede na Dinamarca (onde está a Mafe Vomero, estes dias, fazendo uma oficina). Mas no livro já citado - Teatro - Solidão, Ofício, Revolta - Barba não abre espaço quase nenhum a falar de prática, de métodos, do trabalho em suma desenvolvido por seu teatro. Claro, para quem, como eu, busca referências que possam ajudá-lo a conduzir suas próprias práticas, o livro de Barba parece mais uma simples tomada de posição ideológica, e por isso não parece ajudar muito. Foi com o afã de entender algo do que é desenvolvido lá naquele grupo que comprei este livro de uma das atrizes do Odin. Mas a primeira impressão, após comprá-lo, não foi definitivamente boa. Pois pareceu-me o livro - ao menos no começo - uma simples compilação de rememorações de trabalhos feitos com o Odin e não especificamente de mostrar como o trabalho dos caras se d

Alguns pensamentos sobre a viabilidade e a necessidade do teatro

Nas últimas semanas, tenho lido VERDADEIRAMENTE MUITO sobre teatro. Não lido teatro (peças), nem teorias (livros que se propõem tornar o pensamento sobre o teatro alguma coisa coerente historicamente). Lido sobre teatro, digo, lido sobre a viabilidade e necessidade do teatro. Não minto. O formato do teatro - a necessidade de montar um grupo, torná-lo coeso, adaptar peças, realizar ensaios e tudo o mais - nunca me agradou, definitivamente. Isso porque nunca me convenci de que esse formato seria viável, de que seria possível criar e manter um teatro de qualidade submetendo-se às regras da vida. Por isso com o passar do tempo minhas atenções se voltaram, não ao ineditismo das peças, nem à qualidade das montagens, mas ao trabalho do ator. Pensava, se conseguíssemos manter um trabalho de atuação inovador poderíamos posteriormente fazê-lo migrar a outros meios mais viáveis, como o cinema, o vídeo ou mesmo a televisão. Pensava isso. Mas um livro e algumas reflexões mostraram-me que estav

Teatro - Solidão, Ofício, Revolta, de Eugenio Barba (Teatro Caleidoscópio, Dulcina Editora)

Lembro-me que a The Economist disse, há alguns anos, que a sociedade ocidental teria começado com a encenação, pela primeira vez, de uma peça do Ésquilo. Não me lembro onde foi que li, mas li. Existem realmente atividades artísticas que ainda reacendem o debate quanto ao progresso, ao contemporâneo, e dessa forma também à volta às origens. O teatro é sem dúvida uma delas. É realmente um problema quando os parâmetros permanentes - alguns dirão antiquados - de atividades como o teatro são defrontados com a nova realidade fornecida por outros meios - eletrônicos - de expressão e também com novas realidades informacionais. É nesse momento que surgem os defensores da tradição, indicando que o teatro é insubstituível por essa ou aquela razão, e que permite tal e qual liberdade que nos outros meios é impossível. Realmente. É possível fazer teatro - sem com isso inovar nem um pouco - com atores sem experiência, com um palco apenas, com iluminação natural e com adereços simples. Não há u

Estilos de direção

Minha relativamente pequena experiência em teatro vem se dando, em especial, pelo aprendizado com diversos profissionais em termos de direção de peças como um todo e da direção de atores, em particular. É bem verdade que entrei no teatro vendo o Gerald conduzir seus atores, em 2006 e 2007, mas meu maior aprendizado se deu, muito especificamente, ao ser dirigido pelo Marião (Mário Bortolotto) e ao ver como o Cesar Ribeiro conduz seus atores em sua montagem de Esperando Godot. Ontem, porém, assisti um ensaio de Recursos Humanos, dirigida pelo Marcos Gomes, que irá estrear no Teatro Cemitério no final de setembro ou começo de outubro, ao qual ajudarei na assessoria de imprensa, e isso me ajudou a refletir em direção de atores de maneira geral. Foi interessante ver atores e atrizes que não conhecia embarcando em texto que eu NÃO havia lido de antemão. Foi interessante em especial porque eu NÃO TINHA a MENOR IDEIA do que iria resultar disso tudo, e isso fez com que diversos aspectos de d

Sobre A Tempestade (de Shakespeare) (pela Cia. dos Imaginários)

Há n formas de montar um clássico. Há também n + 1 fórmulas de montar uma peça sobre um clássico, peça essa livremente inspirada em. A Cia. dos Imaginários escolheu este clássico, o último escrito (e não terminado) pelo bardo, para falar da solidão e da morte. O mote é a figura do naufrágio, esse acontecimento que na época do bardo tão bem simbolizava a Moira, o destino. A Montagem é simples, com cenário limpo, enquadrado, em que diversas cenas se seguem, isoladas, mas conectadas por um texto que ora é da peça ora é explicativo. Uma goteira interminável dá espaço ao nado isolado ou sincronizado de garotas urbanas, aos movimentos de vaivém de marinheiros no meio de um naufrágio, à comunhão de bêbados (pela bebida) e a uma trama que mal aparece costurada - embora não me pareça tão necessária. Não entendo muito bem o que acontece. Sempre a figura do capitão, enquanto aparecem patinhos retirados de um acontecimento de não-ficção documentados em livro de 2011. Estabelece-se o l

Um amor (monólogo, a ser apresentado dia 26/8, em São Paulo)

Começo criando um quadro, uma figura, tirada a partir de uma foto. Uma mulher de quase quarenta, aparentando menos, em pé numa escada rolante, sendo abraçada pelo lado direito e beijada na nuca por um homem com entradas de calvície vindo de trás. Ela sorri. Uma realidade que não nos diz respeito. Mas que está para todo mundo ver. Daí eu vou para um outro quadro, outra figura, não tirada de uma foto, mas de uma realidade, agora chapada porque passada. Uma realidade de duas pessoas. Envolvidas numa relação de anos de desgaste. Em que ela mal sabe para onde ir - embora queira ir para algum lugar. Em que ele não consegue se desvencilhar do mundo em direção a algum lugar que seu coração parece divisar. Uma direção portanto que ele não tem coragem para abraçar. E que por isso precisa negociar. Fazem o que não sabem, os dois. Ela, sem saber o que quer. Ele, sabendo-o, em suas próprias profundezas, mas sem conseguir entender. Agora vou para outro quadro, outra figura, tira

As Regras de Bannen (dir. Jesse Warren)

Os gringos arranjam n maneiras de realizarem filmes de formação. Por essa denominação quero dizer o equivalente, em filmes, a esses chamados de romances de formação, como os do Goethe ou Dickens, ou Tom Jones, ou coisa que o valha. Desta vez, a forma utilizada foi inusitada. Tudo faz crer que se trata de uma trama rasteira - foi o que me atraiu - na vida de um marginal cheio de pose. Mas não. Embora a gente até ache isso nos primeiros minutos, corridos numa rapidez avassaladora, com uma linguagem de vídeo bem montada, com o passar do tempo reparamos que o Bannen do título acabou se metendo numa enrascada - várias, na verdade - em que ele está em questão. Ou seja, seus valores, suas saídas, etc. Não sei se concomitantemente, mas em algum momento da trama aquilo que chamava a atenção pela graça machista de ver o mundo de repente transforma-se num duelo de caras feias, caras de medo, seduções que deixam muito a dever, curiosidade de nerds por detrás de telas de micro, etc. que não ca

O Ator Invisível, de Yoshi Oida (Via Lettera, 2007)

Tentando encontrar referências (escritas) para trabalhos corporais diversos, tenho adquirido uma série enorme de livros que discorrem sobre ações e elucubrações referentes ao uso do corpo pelo ator. Muitas dessas elucubrações não são elucubrações, é claro. São na verdade indicações derivadas de trabalhos muitas vezes desenvolvidos por anos a fio no trabalho com atores e dançarinos, dentre outros profissionais. Nesse ímpeto, eu já havia ouvido falar bastante da contribuição oriental ao trabalho corporal do ator, até mesmo pelas referências indicadas sobre a influência de grupos e tradições orientais no trabalho do Grotowski, que é o diretor e encenador que mais me atrai no trabalho que eu estou tentando montar aos poucos. Mas não tinha nenhum livro que expressasse em palavras fáceis de entender o trabalho de atores orientais de forma geral - os trabalhos com as tradições eu só poderei mesmo adentrar indo lá, acredito. Mas este livrinho do Oida foi uma grata surpresa. Eu já o via

Um branco

Não desejo a ninguém que esqueça sua fala no meio ou começo de uma peça. Mas foi isso que aconteceu ontem comigo. Eu mal entrara na cena e de repente travei. Digo-lhes que a sensação é HORRÍVEL. Dá para sentir FISICAMENTE o tempo se fechando. Não, não me refiro a nuvens. Refiro-me que, a cada segundo, a cena torna-se mais opressiva, e nós, que estamos no redemoinho, não podemos recuar. Só existe andar para a frente. Toda cena é PARA A FRENTE. Não existe a possibilidade de recuo, de forward, de rewind, não existe mesmo. E TUDO ESTÁ EM NOSSAS MÃOS. A solução foi ir direto ao ponto em que minha partner, a ótima Majeca, pega o touro pela unha. Eu já havia feito isso em outro momento de esquecimento, e daquela vez a Helena Cerello foi quem pegou o touro. A desolação que a gente sente depois que a cena termina e somos obrigados a nos defrontar conosco é indescritível. Entendo claramente por que determinados atores ou atrizes, cobrados por seus diretores, que os formataram, ficam qua

Mea culpa

Nos últimos dias, pisei na bola pelo menos duas vezes. Em uma delas, fui defrontado com a seguinte situação: eu não teria tido boa intenção ao publicar reflexões sobre o trabalho do grupo de um amigo. Em outra, teria sido indelicado criticando uma atriz amiga de forma mal-educada num texto sobre uma peça de que ela participara. Em ambos os casos pedi desculpas. Mas percebi que a ferida era mais funda. Descobri, consultando meus botões, que meu comportamento, há mais de 25 anos (tenho 47), tem se caracterizado por uma falta enorme de consideração para qualquer pessoa, qualquer uma mesmo. E percebi então que aquilo que uma grande amiga me revelara e que eu havia percebido sozinho ao lidar com amigas e amigos não era invenção. Havia algo de muito podre nesse meu comportamento. "Naveguei" em reflexões, tentando chegar no exato momento em que isso começou quando percebi que tudo fora fruto de um processo, de uma história de 25 anos para mais em luta com o mundo e comigo mesmo

O Grande Hotel Budapeste (dir. Wes Anderson)

Que me lembre ou saiba, não havia ainda assistido filmes desse diretor, que pelo visto é bem cotado nos dias que correm. Na verdade, eu nem imaginava claramente a que iria me ver sujeito ao assistir um filme com dezenas de rostos conhecidos. Claro, sabia que era uma comédia. Para apostar nisso, basta ver o cartaz do filme. Não se conseguiria fazer realmente um drama com tamanha exposição. É uma trama rocambolesca. Que envolve um personagem esquivo que resolve contar ao colega a história do hotel em que estão. A trama é a própria história do hotel. Que envolve um dos Fiennes, como concierge do tal hotel, por volta dos anos 30 em algum lugar (fictício) da Europa. A história é contada sob o ponto de vista do Lobby boy, um imigrante que teve toda a família dizimada e que resolveu se dedicar a essa profissão. Os personagens, quase todos, são pitorescos. Parece que assistimos a uma história em quadrinhos (os enquadramentos estáticos reforçam a impressão), que se desenvolve agilmente e

Roma (série) (novas impressões)

Não consegui assistir Roma, a primeira temporada, inteira. Mas reparei em uma coisa. Antes, uma digressão: não entendia por que cargas d'água tantos em tantos grupos são fascinados pelas séries de tv, em geral paga. Disseram meses atrás que elas tinham os melhores roteiros. Dizem outros que são de alta qualidade como um todo. Aqui comigo, acredito haver descoberto o porquê. Roma é uma série que enleva. Sentimo-nos levados pelos personagens, com atores que, em geral, apenas atuam como se deve. Outros atuam bem menos do que poderiam. Mas isso acaba sendo irrelevante, no fim das contas. Porque a série é bem editada. Ela enleva. Faz o tempo passar com leveza. Diria que no cinema a intenção de agradar está mais no produto em si, na trama que só irá passar uma vez. Nas séries, somos defrontados face a situações novas que fazem os personagens em questão enfrentarem novos desafios. E com os desdobramentos tudo acaba sempre ficando mais complicado. Pouco importa. Somos enlevados.

A emoção no ator - Comentários do grande Cesar Ribeiro

Concordo com o que você escreveu, e acho que tem muito a ver com o que coloquei da Mnouchkine. Sobre o final do texto, basicamente arte é signo, código, e um ator emocionado perde a capacidade de precisão e, muitas vezes, até da consciência do signo. Há todo um processo de ensaios para se chegar ao signo ideal, então quando o ator está em cena ele já passou pelo processo que o espectador está passando naquele momento. Não há como nem por que falsear isso impondo emoções do ator, que sempre serão, no fundo, "falsas", porque ator e personagem são coisas diferentes, e o que os aproxima é a consciência das semelhanças, sejam intelectuais ou emocionais ou outras quaisquer. Cesar Ribeiro Por semelhanças quero dizer a consciência da situação vivida pelo personagem, pela peça, pelo contexto do autor, da época etc. Ou seja, a a transposição disso para certo nível de conhecimento no ator, especialmente racional. Cesar Ribeiro Sobre colocar ou não colo

Ensaiando Godot - discussão sobre totalidade

Devo ter assistido uns 8 ou quem sabe 10 ensaios de Esperando Godot, pela Garagem 21, do Cesar Ribeiro. Nesses ensaios, comentei bastante coisas que no fundo demandavam discussões sobre a linguagem, que para o Cesar não são necessárias ou não cabem nos ensaios, e outras, nos últimos ensaios, sobre a montagem em si. Outros e outras comentaram, também. Mas em um dos ensaios, já entendendo as posições do Cesar (acho), eu fiquei encucado e não soube me expressar, pois as reservas não diziam respeito à linguagem, mas a uma impressão que ainda se mantém. Ressalvo: hoje não fui aos ensaios. Amanhã devo ir. Vou convidar uma amiga, também, que só recentemente faz parte de meu grupo. A reserva dizia respeito à totalidade. Agora há pouco, quando ia entrar na web, queria ter imprimido uma geral de todo o material que tenho no meu blog comentariossobreteatro, mas não deu. A questão era verificar se realmente há sempre ou quase sempre nos espetáculos que eu vejo alguma questão referida à TOTA

A emoção no ator

É pequena minha experiência como ator, eu sei. 4 peças em um ano, sendo uma em duas temporadas no meio da semana (um dia). Pode parecer pouco - e é. Mas aprendo rápido e toda apresentação é todo um aprendizado que serve para entender as atuações dos outros e para tentar aprofundar as reflexões sobre a emoção no ator. Quando dirigi minha primeira peça - numa escola, com três atores - eu não sabia de praticamente nada. Mas eu insistia, por instinto, com o ator principal que ele não deveria se emocionar, mas ao contrário conseguir emocionar os espectadores. Ele o conseguiu e foi bem bonito. Mas meu estilo de direção era tosco, para falar o mínimo. Passaram-se vários anos até que alguém me desse um papel, logo a mim que nunca tinha atuado. Foi um aprendizado muito esclarecedor. Seria inútil repassar tudo aquilo por que passei, por isso acreditem: aconteceu muita coisa e muita coisa ficou. Mas também montei um grupo e tive de ler muito e refletir bastante a respeito de onde eu quero me

Uma boa atuação

Ontem, foi a antepenúltima apresentação de Dias e Noites, peça do Lucas Mayor, dirigida pelo Marião. A plateia estava quase cheia e desde o começo da peça surpreendeu a reação de alguns espectadores, que ou riam demais em momentos estranhos - nada cômicos -, ou começavam a falar entre si, atrapalhando os atores. Eu esperava que eles, os espectadores, estivessem bem acesos quando entramos, a Majeca e eu, e foi o que aconteceu. Houve as reações de praxe a gags que cometo bem no começo, e muitos dos espectadores riam bastante das frases da Majeca. Percebi que esse público ria do que entendia, e não tanto do que sentia pelo jeito de fala do ator/atriz. Tudo foi a contento até o fim, quando Pedro - eu - descobre que a Soraya não é quem imaginava. Eu, como descobrimos nas últimas apresentações, dei pausas calculadas na fala, de forma a atribuir mais dramaticidade, mas senti que ninguém ria. Ninguém ria mesmo. Normalmente nesse ponto as pessoas riem do patético do personagem. Mas desta

O movimento que no fundo quase não existe mas que mais importa - e que não cessa

Não gosto TANTO de Bergman para dizer que é ele quem mais me influencia nesse afã de descobrir o rosto. Fato é que, por ser uma pessoa com dificuldade imensa de decifrar aquilo que me é dito pelo rosto do outro, ou de acreditar realmente nisso que vejo, ou de realmente me conformar com isso, o rosto é o meu foco. Tanto que nos trabalhos que desenvolvo com meu grupo eu geralmente me limito a tentar sentir algo por meio do rosto do outro. Quando vejo esse algo QUE NO FUNDO PODE QUERER DIZER QUALQUER COISA eu me animo e digo que finalmente tornei essa atriz/ator alguém expressivo PARA MIM. Recentemente eu escrevi um texto - que está neste e noutros blogs - comentando o jeito do Cesar Ribeiro definir seu teatro e dirigir em contraposição a isso que eu busco. Fiz um apanhado do que existe de mais relevante nas conquistas do teatro desde o final do século XIX e fiz umas provocações. Que ele, Cesar, retrucou transcrevendo um texto sobre o que a Mouchkine fala sobre seu Theatre du Soleil

Violência (sobre Kubrick e Sam Peckinpah)

Assistindo novamente Laranja Mecânica e lendo algo do material contido no livro que o Sesc distribuiu sobre sua Retrospectiva Sam Peckinpah, peguei-me refletindo brevemente sobre a violência - em si e nos filmes e peças e tudo o mais. Um tema escabroso para a maioria - ninguém parece gostar da violência, o que é estranho na medida em que é o próprio ser humano que a comete - e tabu para outros - há quem diga que nunca usa de violência, o que, em termos mais teóricos, resulta quase impossível. Violência para mim não é, já ressalto, necessariamente o uso da força. Uma atitude arbitrária para mim é violenta na medida em que desconsidera totalmente o outro. Mas atendo-me mais à consideração da violência como a aplicação de atos de força bruta, Laranja Mecânica, do Kubrick, não parece entrar em nenhuma das searas que aparentemente tocam à consideração da violência por Peckinpah. A violência em Kubrick não tem razão de ser. Não é nem um ato de crueldade, pura e simplesmente, pois para hav

Referências de realidade

Há muitas vantagens em fazer bons cursos de humanas, ciências ou não. Uma delas, bem evidente, é a capacidade de poder navegar na mania que muitos do ramo têm de usar referências que, lá atrás, fazem jus a questões de poder, relevantes ou não. Mas há também uma desvantagem, não tão evidente. Esta é, em poucas palavras, a perda de originalidade NA PULSÃO de se escolher rumo próprio na construção de UNIVERSOS EXPRESSIVOS. Explico. Lendo sobre a trajetória de Almodóvar, num livro que ainda irei resenhar - eu já devia tê-lo feito -, fiquei sabendo que ele começou filmando em super-8, quando era funcionário da telefônica, uma sociedade da qual fazia parte que expressava as contradições de uma Espanha sob Franco e prestes a se libertar, criativamente falando, dessa estreiteza mental do catolicismo adstringente de uma Opus Dei, por exemplo. Almodóvar não tinha, como nunca teve, educação formal em cinema. Ele simplesmente tinha questionamentos que soube usar como catalisadores por meio

Laranja Mecânica (dir. Kubrick)

Eu havia assistido a Laranja Mecânica há vários anos, mas o filme não havia me deixado nenhuma grande impressão. Eu - creio - ainda não estava sensível o suficiente à fruição de aspectos estéticos evidentes, além do que diversos questionamentos - sobre violência, paternalismo, sexo, etc. - não estavam ao que parece muito evidentes. Daí que não havia o que questionar porque o mundo me parecia naturalizado - como se isso realmente (por isso refiro-me às questões levantadas pelo filme) não fosse algo problemático ou problematizado. Sinto, em parte, o mesmo ao rever filmes do Woody Allen - é como se neste caso eu não tivesse, quando o vi pela primeira vez, a sensibilidade para a leveza dos diálogos e da problemática social (as ironias, etc.) envolvidas. Estou bem no começo da fita. O que me pega, por enquanto, é o cuidado com o trato com a cor. Tudo parece milimetricamente combinado, tal qual as cenas de antigravidade em 2001, por exemplo. Parece haver um desenho de luz, em cada tomada,

Ensaiando Godot

  César Ribeiro, do grupo Garagem 21, me disse no começo do ano que ele iria, com o seu grupo, ensaiar Esperando Godot, do Beckett. Eu nunca havia participado de ensaios desse clássico e me interessei. Ele questionou por que eu queria assistir, se havia metido tanto o pau numa outra peça do grupo. Eu lhe disse que eu quero aprender, seja lá qual for a linguagem do grupo. Ele iria topar e permitir que várias outras pessoas assistissem os ensaios, que passaram a ocorrer na casa dele, perto da estação São Joaquim. Eu fui algumas vezes, sozinho ou com amigas do meu grupo. Revendo alguns de meus posts, reparei agora que já havia escrito algo sobre o processo. Algo que envolvia, à época, leituras sobre parâmetros a levar em conta para a linguagem e pressupostos para o trabalho do grupo, e, de minha parte, algumas "viagens" sobre artes plásticas, também. Passou-se muito na minha vida desde então, e deixei de dar tanta atenção a estas últimas (artes plásticas), dedicando basta