Começo criando um
quadro, uma figura, tirada a partir de uma foto.
Uma mulher de quase
quarenta, aparentando menos, em pé numa escada rolante, sendo abraçada pelo
lado direito e beijada na nuca por um homem com entradas de calvície vindo de
trás. Ela sorri.
Uma realidade que não
nos diz respeito. Mas que está para todo mundo ver.
Daí eu vou para um
outro quadro, outra figura, não tirada de uma foto, mas de uma realidade, agora
chapada porque passada.
Uma realidade de duas
pessoas. Envolvidas numa relação de anos de desgaste. Em que ela mal sabe para
onde ir - embora queira ir para algum lugar. Em que ele não consegue se
desvencilhar do mundo em direção a algum lugar que seu coração parece divisar.
Uma direção portanto que ele não tem coragem para abraçar. E que por isso
precisa negociar. Fazem o que não sabem, os dois. Ela, sem saber o que quer.
Ele, sabendo-o, em suas próprias profundezas, mas sem conseguir entender.
Agora vou para outro
quadro, outra figura, tirada de uma realidade íntima, a dele, que ele não
compartilha com ninguém.
Esse quadro envolve
dor. A dor de ter abraçado uma atividade que não o quer. A dor de ter precisado
se submeter a uma realidade que ele não aguenta. A dor de ter apostado todas
suas fichas numa realidade que ele não consegue entender. A dor de ter sido
obrigado a desistir de um sonho que ele mal conseguiu abraçar. Mas ele ficou
calado. Não compartilhou essa sua dor. Não obrigou ninguém a carregá-la com ele
- ele sempre se viu a todo momento sozinho. Dores de quem não queria dividir
com ninguém.
Agora por fim ainda
um outro quadro. Este, final.
Um homem sujeito à
sua singela e solene realidade. Um homem sem ninguém a prestar contas. Um homem
solto no espaço como o astronauta de 2001. Um homem com medo da Moira, do
destino, mas completamente tomado pelo afã de fazer da vida o seu valor. Um
homem que vê todos esses vários quadros com a liberdade e o peso de ter sido
obrigado a pegar um caminho na vida. Um homem que sorri para si mesmo mas não
consegue ainda sorrir para a vida.
Há sorrisos que não
são para nós.
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