Pular para o conteúdo principal

Duas leituras de G. Stein

Nossa primeira reunião do Grupo As Garotas do Contrera e Cia. teve, além de mim, a presença de duas atrizes. Num grupo com 17 pessoas, foi bem pouco. Mas, COMO SEMPRE, a qualidade faz a diferença.
Depois das explicações de praxe, e sem o alongamento combinado (por quem furou), fizemos a leitura de dois textos da Gertrude Stein, Vozes de Mulheres e Toda Tarde, de 1916, ambos criados com o intuito de virarem peças.
Lemos primeiro, nós três, Vozes de Mulheres. Quem conhece algo da autora sabe do hermetismo de seus textos e do sintoma de aparente non-sense que é possível retirar deles, à primeira vista. Vozes de Mulheres é um texto realmente difícil. Cheguei com o texto dividido em 5 personagens, sendo que a Rê cuidou de dois e eu também, a Ma cuidando do B.
Lemos umas 5 ou 6 vezes, não me lembro bem. Tentamos brincar com eles, atribuir novas acepções a falas aparentemente fáceis, outras acepções a falas mais difíceis, dividimos - como no original - o texto em cenas e atos, e fizemos as partições devidas. Ficamos muito aquém do que seria se fosse uma leitura real. Tentamos, e sentimos, e expressamos sentimentos a respeito. Fizemos o possível por mais de uma hora.
Daí pegamos Toda tarde (que tem como subtítulo Um diálogo), que eu havia dividido em 8 personagens. Perguntei se discordavam dessa minha atitude, e discordaram. Deixamos como um diálogo entre a Rê e a Ma. Leram uma vez o texto, que é longo e, embora confuso, menos que o primeiro. Demos algumas risadinhas em determinados trechos. O texto começou a adquirir vida.
Conversamos e deixei a cargo delas o interesse em continuar o trabalho. Como é uma peça, o texto requer encenação, subtextos específicos, determinados encaminhamentos, direção e marcações. Deixei a cargo delas se querem que façamos tudo isso. Não posso puxar o interesse delas. As atrizes precisam adotar para si o interesse em fazer do texto algo mais do que uma declamação a duas vozes. Ficamos a ver.

Tive especial cuidado em respeitar a visão de cada uma das atrizes a respeito do trabalho. A Ma é mais contida, e assim ficou. A Rê expressou algumas posições a respeito do trabalho, e em especial me mostrou o quanto é ligada à forma poética (algo que me fez pensar). O trabalho foi muito bonito. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

Diário Baldio, 7/8/2011, Tusp, BarracãoTeatro

Estréia. Platéia pela metade, o espetáculo começa com sons de rua. Aparece aos poucos Lady, o travesti criação de Gabriel Bodstein. Entramos em seu universo idealizado, de paraíso em meio ao lixo. Não sinto muita empatia. Surge Cotoco (Esio Magalhães). Um ser deformado. Só dá para ver um de seus olhos, e mesmo assim com dificuldade. Não fala, grunhe. Não mexe os braços, os desloca desajeitadamente. Não anda, escorrega com os cotos, com os joelhos. Trava-se o contato. No começo uma distância entre Lady e Cotoco. Aos poucos, Lady embarca na expressividade dos recursos do meio-animal. Que de meio-animal não tem nada. Sabe tocar flauta. Anda de skate. Mas mantém com o mundo o olhar de uma criança. Sempre algo a descobrir, o espanto, a empatia com qualquer detalhezinho do mundo. Sinto-me desfalecer ao me identificar com o ser que conquista a todos com sua inteligência, mascarada por uma aparência que faz jus contudo à sua condição de excluído. Cotoco rouba a cena. Poderia estender-me l...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...