Devo ter assistido
uns 8 ou quem sabe 10 ensaios de Esperando Godot, pela Garagem 21, do Cesar
Ribeiro. Nesses ensaios, comentei bastante coisas que no fundo demandavam
discussões sobre a linguagem, que para o Cesar não são necessárias ou não cabem
nos ensaios, e outras, nos últimos ensaios, sobre a montagem em si. Outros e
outras comentaram, também.
Mas em um dos
ensaios, já entendendo as posições do Cesar (acho), eu fiquei encucado e não
soube me expressar, pois as reservas não diziam respeito à linguagem, mas a uma
impressão que ainda se mantém. Ressalvo: hoje não fui aos ensaios. Amanhã devo
ir. Vou convidar uma amiga, também, que só recentemente faz parte de meu grupo.
A reserva dizia
respeito à totalidade. Agora há pouco, quando ia entrar na web, queria ter
imprimido uma geral de todo o material que tenho no meu blog
comentariossobreteatro, mas não deu. A questão era verificar se realmente há
sempre ou quase sempre nos espetáculos que eu vejo alguma questão referida à TOTALIDADE
do que vejo, ou seja, à impressão TOTAL da obra. Não pude pegar os textos, nem
lê-los (estou sem tempo), mas a impressão continua. A questão é: tudo bem,
entendi a jogada, mas infelizmente, após todo o espetáculo, não ficou (ou
ficou) uma impressão total, uma noção de que foi possível entrar, em sua
integridade e integralidade, na proposta da peça e do grupo. Ou seja, não
ficaram cacos a serem unidos, ficaram noções cênicas e de atuação que, juntas,
possibilitaram uma intensidade que permitiu captar realmente a proposta.
Pois, nos ensaios,
fui aos poucos me acostumando às referências e aos pontos de vista do Cesar e
grupo. Fui entendendo por que ou em que medida o realismo não é interessante
nessa proposta, fui entendendo também que a comiseração dos personagens não vem
realmente ao caso, que os movimentos não devem ser naturalistas ou mesmo
realistas, que a relação entre os personagens coisifica-os sem necessariamente
lhes tirar a possibilidade de relação, que se dá em níveis estranhos, mas muito
a par do que hoje acontece com a humanidade - não que seja intenção fazer um
espelho desta, a questão está mais na questão do humano (odeio essa forma de
expressão, mas ser humano não substitui).
Mas, terminados os
trechos, cenas e atos de Esperando Godot, ficam-me geralmente trechos, noções
esparsas mas consistentes da proposta do grupo, dos atores e da linguagem em
si. Percebo que realmente os atores se superam continuadamente, que entram mais
e mais na engrenagem em que o espetáculo deve consistir sem contudo fazerem com
que se perca o frescor da cena, da peça e das atuações. Mas algo falta. Não
consigo vislumbrar as cenas, os atos e o espetáculo como um todo COMO UM TODO
(digo, a CENA como um todo, O ATO como um todo e assim vai). Por quê isso? Não
sei.
Claro, nos ensaios
estamos vendo o work in progress, e dessa forma as cenas e os atos se formam,
um após o outro. Mas, sei lá por quê, essa seria a intenção de saber, algo na
interrelação entre os personagens e entre os atores parece perder-se. Creio eu,
pensando positivo, que a questão seja as cenas mais e mais se repetirem e
criarem a ilusão real de um novo universo em polvorosa. Pode ser, pode ser
apenas questão de mais ensaio. Mas pode ser também que algo na proposta esteja
se perdendo, ou na encenação, nas marcações e tudo o mais, ou nas linguagens e
relações entre os atores-personagens. Creio crer que a questão seja mais
realmente a de mais e mais ensaio. Pois realmente SÓ NO COMEÇO, mas NO COMEÇO,
da primeira cena isso (essa minha questão) não mais ocorre. E pode parecer
estranho eu justificar desta forma, mas isso acontece, e tanto acontece, que
APESAR DE SABER IPSIS LITTERIS o que vai acontecer, eu não me entedio. Vejo
tudo com um frescor maravilhoso - que, porém, ÀS VEZES REALMENTE se perde. Por
que isso será que acontece? Não sei.
Seria talvez
necessário no futuro recente ressaltar alguma coisa sobre os pressupostos que
norteiam o trabalho do grupo, até porque, creio, elas sejam realmente
relevantes, mas não consigo fazer isso agora.
PS: Um adendo
necessário. Quando assisto os ensaios de Godot, sempre fico me perguntando
quanto a ocorrências que, muito sutilmente, acabam acontecendo. Uma das
principais é o cuidado com que o Cesar se dirige aos atores e propõe saídas.
Isso na hora entra na minha cabeça como "pronto, lá vem uma sacada".
Por que essa minha relutância em gostar disso? Porque eu não acredito em
sacadas. Acredito que, claro, as sacadas vêm de uma compreesão funda de um
determinado tipo de teatro pelo dramaturgo ou pelo diretor. Mas as sacadas às
vezes têm um quê de arbitrário que me irrita. Pois eu não acredito no
arbitrário. Claro, todos nós somos regidos pelo arbítrio, principalmente pelo
nosso. Mas no caso do teatro eu teimo em acreditar que a arbitrariedade deve
estar subjugada por algo maior que possa ser contextualizado e explicado. Como
o César já mostrou e mostra que suas concepções não surgem pura e simplesmente
de sua cachola, faço crer que não haja esse tipo de arbítrio. Mas a questão
permanece. Ao menos para mim.
Foto: Kenn Yokoi
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