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Sobre A Tempestade (de Shakespeare) (pela Cia. dos Imaginários)

Há n formas de montar um clássico. Há também n + 1 fórmulas de montar uma peça sobre um clássico, peça essa livremente inspirada em.
A Cia. dos Imaginários escolheu este clássico, o último escrito (e não terminado) pelo bardo, para falar da solidão e da morte.
O mote é a figura do naufrágio, esse acontecimento que na época do bardo tão bem simbolizava a Moira, o destino.
A Montagem é simples, com cenário limpo, enquadrado, em que diversas cenas se seguem, isoladas, mas conectadas por um texto que ora é da peça ora é explicativo.
Uma goteira interminável dá espaço ao nado isolado ou sincronizado de garotas urbanas, aos movimentos de vaivém de marinheiros no meio de um naufrágio, à comunhão de bêbados (pela bebida) e a uma trama que mal aparece costurada - embora não me pareça tão necessária. Não entendo muito bem o que acontece.
Sempre a figura do capitão, enquanto aparecem patinhos retirados de um acontecimento de não-ficção documentados em livro de 2011. Estabelece-se o liame das montagens, mais ou menos célebres, e nossa ligação com o antigo e contemporâneo.
Por algum motivo que não sei bem qual é, acabo me emocionando - embora o lirismo nem leve a tanto.
Foi bonito. É teatro, simplesmente.

Lembro-me de que há alguns meses eu escrevia quase a mesma coisa - é teatro, simplesmente - a partir de uma peça dos Satyros. De vez em quando a gente simplesmente precisa de leituras cênicas, melhor ou pior sucedidas, mal importa, para nos localizarmos nesse mundo em profusão e por que não também decadência. 

Foto: Mariana Nogueira

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