Pular para o conteúdo principal

Manhattan (dir. Woody Allen)

Passei boa parte de minha adolescência em meio a cinemas (alguns dos quais não existem mais) e cineclubes (idem), nos quais o nova-iorquino dos anos 30 divulgava os primeiros de seus hoje incontáveis filmes que traduzem como poucos o universo norte-americano e de classe média universal. Não à toa muitos admiram o jeito pelo qual o sujeito traduz sua verve cômica: a explicação tem, claro, a ver com sua expertise cômica e aguda percepção do cinismo middle-age, mas também tem a ver com um pacote bem vendido para um público que só fez crescer desde que ele começou.
Manhattan, eu me lembro de haver visto há muitos, muitos anos, muitos mesmo antes de experimentar por São Paulo o mesmo amor que ele nutria e ainda nutre (embora em menor medida, como o livro do Lax faz questão de ressaltar) pela grande Maçã. Filmado propositadamente em preto e branco, o filme transcorre em meio a paixões desmedidas e traições variadas por personagens de uma classe média aparentemente entediada.
O que mais me interessou, contudo, desta vez que peguei a fita foi haver percebido, por meio dele, como um certo "jeitinho" woodyalleniano é assumido por fãs confessos que conheço aqui e acolá meio como uma forma de se vingarem do que não conhecem. Pois é acompanhando os personagens do filme em suas peripécias pelos lugares mais conhecidos e emblemáticos da grande Maçã que aprendi a perceber por que sempre saio perdendo nos meus intercursos sociais - porque não estou vacinado pela acidez APARENTEMENTE descompromissada dos que fazem da vida social um meio de vida. Eu, como uma vez fui definido por um colega, sou um selvagem idiossincrático por isso mesmo: por não saber navegar nos subtextos irônicos, cínicos e DESCRENTES dos que me rodeiam, com dentes à mostra. Esses, normalmente, aliás, têm incontido medo de verem dentes reais à frente: pois eles acham que, por meio da ironia, sempre poderão se safar. Contam com o beneplácito de uma sociedade que criticam à toa contra os selvagens que os rondam, e que muitas vezes de selvagens só têm mesmo a ignorância ou a ingenuidade.

Claro, viajei. Nada disso é possível captar no filme, que transcorre suave em meio a músicas lá tradicionais que hoje não me causam mesmo a menor surpresa. Inclusive, diversos takes e passagens tentam dar uma ideia romântica dos momentos e, embora consigam, deixam uma sensação de déja vu cuja ausência de graça teima em me acompanhar com o passar do tempo. Houve momento em que aquilo queria dizer algo. Hoje? 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm

(Em) Branco (de Patricia Kamis, dir. Roberto Alvim, Club Noir, 3as a 5as durante o mês de agosto)

Fui à estreia da segunda peça da leva de oito novos selecionados que o Alvim vai encenar municiado de sua leitura na noite anterior. Esperava ver algo relativamente tradicional e nutria um certo receio de déja vu. A atriz e os dois atores permanecem estáticos em quadrados iluminados por baixo. O caráter estático não se refere apenas ao corpo em contraponto com o rosto, mas também a este, mutável apenas (e repentinamente) por expressões fugazes. Os olhares permanecem fixos. O texto segue a ordem 1, 2, 3 (segundo o Alvim, emissores mas não sujeitos), que eu imaginava que iria entediar. As falas são ora fugazes ora propositalmente lentas e sua relação tem muito a ver com o tempo assumido em um e outro momento. Não irei entrar no âmago da peça. Nem irei reproduzir o que a própria autora, o dramaturgo Luciano Mazza e o próprio Alvim disseram no debate posterior a ela. Direi apenas que durante ela nossa sensibilidade é jogada de um lado a outro num contínuo aparentemente sem fim sem c