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Teatro, de David Mamet, e umas "leituras"

De uns tempos para cá, assoberbado de leituras sobre e de teatro, assim como de reflexões sobre teatro que vejo aqui e acolá, venho sentindo um certo assombro com autores que se propõem, FINALMENTE, dizer A QUE REALMENTE vem o teatro.
Assombro porque quanto mais o tempo passa mais percebo que esses autores não me causam grande impressão pelo simples fato de que sinto cada vez mais que PRECISO ver o teatro do MEU modo. A liberdade está aqui para isso, não é mesmo? Claro, sempre temos o que aprender, mas com o tempo nos acostumamos, não é mesmo, a perceber que certas coisas realmente nos causam impressão, ao passo que outras, venhamos e convenhamos, não nos acrescentam em muita coisa ao que já sabemos ou vemos da vida. Digo isso de forma, digamos, categórica: o que me acrescenta, acrescenta; o que não acrescenta, não acrescenta. E digo: em minha concepção de vida. Pois, quanto mais passa o tempo, mais reparo que essas discussões sobre Teatro me causam certo engulho. Preciso salientar, claro, que tenho já 47 anos. Não creio que nada agora possa mudar drasticamente na forma como vejo a vida. Embora faça esforço para que isso por outro lado ocorra.
Mas voltando ao teatro. Mamet, um dos dramaturgos mais incensados pelos cultuadores do "americano" (para mim, norte-americano), neste livro resolve, finalmente, dirá ele, colocar os pontos nos iis. Ou seja, dizer FINALMENTE aquilo que realmente importa - para ele -, desconsiderando FINALMENTE aquilo que lhe dizem os outros, ou as modas, ou os colegas, ou os jovens sedentos de novidades. O Lucas Mayor diz ter lido este livro em inglês. Eu só vim saber dele mesmo agora, em português, recém-lançado pela Civilização Brasileira.
O norte-americano causa alguma surpresa, já no começo, quando diz que, nos seus primórdios na profissão, fora obrigado a ler mais de 50 catataus com o mais importante em leituras sobre teatro ANTES da primeira aula. Isso porque eu DUVIDO que alguém aqui CONSIGA ir na mesma direção - até porque algumas das leituras que ele cita não existem aqui - em português, espanhol ou qualquer outra língua - Vakhtangov, por exemplo. Outro aspecto que me causou alguma impressão foi o fato de ele dizer que teatro, lá em Nova Iorque, é APENAS a Broadway. O Mamet desconsidera a tão propalada off-Broadway dizendo que quem a assiste é só turista mesmo. Claro que há mais sutileza nisso que ele diz, mas deixa para lá - este texto é para você comprar o livro, caralho. Outro aspecto interessante, que aqui pode causar alguma impressão, é ele elencar uma das causas do fim dos pequenos teatros - a especulação imobiliária no centro de NY. Interessante porque aqui vem ocorrendo a mesma coisa - com repercussões variadas e tentativas de luta. Interessante tudo isso.

Não vou me meter - ainda - a polemizar a respeito. Espero que este texto tenha servido QUE SEJA APENAS para que vocês procurem o livro nas estantes das livrarias e o folheiem nesses e noutros aspectos. Já terá valido algo a pena.

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