Uma das grandes
qualidades do livro de Laurence Louppe, Poética da Dança Contemporânea, que
leio numa tradução portuguesa comprada na Livraria Cultura é a possibilidade de
lê-lo a partir de qualquer capítulo. Fiz isso no ônibus, a caminho da Paulista,
e usufruí muito, muito mesmo. Discorro aqui brevemente para salientar um ponto
que me interessa especialmente, a partir de distinções que ela expressa a
partir das obras de outros teóricos - e práticos.
Foi no capítulo
Poética do Movimento (página 113), colhido ao acaso. Não me interessa opor aqui
os termos que coloquei no título deste texto - isso ela já faz no livro.
Interessa notar a que tudo se refere. A bailarina Sylvie Giron diz: "É
perturbador perceber que um gesto, um movimento, envolve tudo". Sim, como
sabemos, a maioria da comunicação entre os seres humanos é, como os empíricos
gostam de comprovar, não-verbal. Mas acho que, para nós que trabalhamos com
arte, a ferida pode ser ainda mais profunda. Pois sabemos, no dia a dia, como
um mero movimento extremamente limitado (de um deficiente, por exemplo) pode
ser rico e perturbador - Louppe diz, como uma dança. Perturba-me o fato de ela
incluir a menção à dança. Pois não estou interessado nisso - na arte - aqui,
neste momento. Qualquer movimento pode ser simplesmente rico e perturbador.
Como por exemplo, hoje, quando vi um deficiente em cadeira de roda simplesmente
olhar e assentir alguma coisa ao ver duas pessoas trocando impressões entre si.
Ele disse DEMAIS na ocasião. Tanto que NÃO CONSIGO expressar. Diz Louppe, logo
abaixo: "além do envolvimento de todo o ser no movimento, outras
considerações não passam de histórias". Isso me interessa: o envolvimento.
O mero movimento ou gesto, se feito com "carga" (que independe da natureza
ou amplitude), diz tudo.
Em seguida, ao tentar
distinguir gesto de movimento, Louppe afirma: "Na sua acepção comum, o
gesto tem uma intenção, uma vida, enquanto o movimento pode resultar
perfeitamente de um 'automatismo' humano ou provir de um objeto animado ou de
um mecanismo não humano". Pode parecer banal a afirmação. Poderia se não
soubesse, eu, que na fenomenologia uma propriedade fundamental do fenômeno, ao
ser observado, é a intencionalidade do sujeito ao experimentá-lo. Tudo parte da
intenção, que está para além do contato do sujeito com o objeto. O gesto, ao
privilegiar a intenção, vem de AQUÉM do que é feito. Vai mais profundamente nas
camadas da consciência - supera-a. Pois precisamos AGORA antes de mais nada IR
AQUÉM.
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