Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de setembro, 2007

"Como me tornei estúpido" (encenação Beth Lopes; adapt. Fernando Bonassi)

(ensaio aberto de 23/09/2007; estréia no Teatro Viga sexta-feira, 28/09; até 18/11) Longo (1h45), o ensaio aberto narra a história de Antoine, ao que parece espécie de alterego do autor (Martin Page), que, de discriminado por inteligente, busca inserção social e sucesso na vida. Page, que estará em São Paulo na estréia, usa com tal pretexto de artimanhas para desencavar questionamentos sobre o papel do intelectual (ou do homem mais do que medianamente inteligente) numa sociedade comandada pelo dinamismo dos interesses e da especulação monetária, emocional e sexual (dentre muitas outras). Daí o estúpido. Antoine conclui que precisa ser um para conseguir sobreviver. Daí que apela a tudo, à bebida, à tentativa de suicídio, e à (auto)medicação de antidepressivos. Quem, dos viventes em grandes cidades, já não passou ao menos por cogitar alguma dessas alternativas? Não à toa o texto torna certas idéias, à primeira cara meras sandices, imediatamente atraentes a quem se dispõe a gozar de si me

A Hora e a Vez de Augusto Matraga (dir. André Paes Leme) (16092007)

Texto: Clássico de Guimarães Rosa, infinitas vezes transcriado para teatro. Ágil, respeitoso com o texto original (acabo de relê-lo, por cima), praticamente sem omissões (às vezes necessárias, para respeito do andar da peça), dito na leitura exata do texto (o que por vezes dificulta algo do entendimento). Os trechos em terceira pessoa são compartilhados por todos os atores, em função de seu lugar e possibilidade de apresentação, sem tropeços. Alguns trechos em terceira pessoa ficam com os personagens a que o discurso se refere, dando certo caráter cômico diversas vezes. Cenário: Simples, praticamente imutável durante a peça inteira. Quatro paus com cabeças esqueléticas de boi, mesas (uma de cada lado) atrás, um carro de boi deslocado de um lado para o outro e adereços. O cenário peca um pouco pela simplicidade por ser espelhado (adereços de um lado iguais ao do outro). Praticamente todos os recursos cênicos são ditados pelo trabalho de luz, que faz uso de texturas, cores e dos vários n

Um (outro) lugar de Sarah ou ...

a palavra é viscosa demais para assumir o lugar de areia, areia do mar, da praia, dos montes, desertos. a palavra é também petulante demais para querer assumir qualquer parte do gesto, qualquer gesto, do mais sutil ao mais audacioso. do gesto sai um germe de vida, da palavra uma desculpa para parar. a palavra é amorfa demais para ocupar a ociosidade da pedra e superar o ruído da terra. o golpe da pedra destrói o equilíbrio nervoso, já a palavra extermina o que vê, analisa, transcende. a pedra continua, a palavra mata o sujeito. a palavra permanece presa ao mundo, o ar escoa nos seres. a sarah que voa dispensa lamúrias, assim como os gestos qualquer entendimento. mas o entendimento que ronda a palavra ameaça a não-palavra. "ah, quer dizer que...", não, pois a graça então em não querer-SE dizer. o gesto trai e aí está sua graça. assim como a voz, ou o tom, ou o grito, ou o resfolegar de uma sarah não mais aqui. ameaças pairam no mundo de sarah. em seu lugar não há nada, e por i

Um (outro) lugar de Sarah ou ...

a palavra é viscosa demais para assumir o lugar de areia, areia do mar, da praia, dos montes, desertos. a palavra é também petulante demais para querer assumir qualquer parte do gesto, qualquer gesto, do mais sutil ao mais audacioso. do gesto sai um germe de vida, da palavra uma desculpa para parar. a palavra é amorfa demais para ocupar a ociosidade da pedra e superar o ruído da terra. o golpe da pedra destrói o equilíbrio nervoso, já a palavra extermina o que vê, analisa, transcende. a pedra continua, a palavra mata o sujeito. a palavra permanece presa ao mundo, o ar escoa nos seres. a sarah que voa dispensa lamúrias, assim como os gestos qualquer entendimento. mas o entendimento que ronda a palavra ameaça a não-palavra. "ah, quer dizer que...", não, pois a graça então em não querer-SE dizer. o gesto trai e aí está sua graça. assim como a voz, ou o tom, ou o grito, ou o resfolegar de uma sarah não mais aqui. ameaças pairam no mundo de sarah. em seu lugar não há nada, e por i

Um lugar de Sarah ou qualquer coisa que a senhora quiser (concepção: Sônia Soares) (Teatro Viga, até este domingo, dia 16)

Bacon, o pintor, dizia que se conseguisse explicar suas telas com palavras não teria motivo algum para pintá-las. Da mesma forma, se fosse possível descrever a peça Um lugar de Sarah com palavras não seria necessário vê-la. Um lugar de Sarah conta com duas bailarinas (Sônia Soares e Tatiana Guimarães) que, sem palavras, narram com um lirismo incontido a visão de mundo da protagonista, a artista plástica Sarah. Narram usando cadeiras, mesas, camas, estrados, p... (quase digo) e... (esta não conto mesmo). Narram sugerindo/mostrando, contorcendo/dilacerando, batendo/comemorando, aproximando/afastando, vivendo/morrendo. Narram com pertencimento e dureza, comunhão e crueldade, cumplicidade e traição. Narram sem nada falar, tudo querendo dizer. Não todos entendem. Há quem se contenha na dúvida, como estranho no ninho. Mas ao fim nada diferente é o que resta, senão transcendência. As dúvidas ficam para trás, como pedras no meio do caminho. Pedras que no fim das contas não fazem assim tanta di

El Truco (Núcleo Experimental dos Satyros; dir. Roberto Audio, 09/09/2007)

Fala-se em teatro experimental e um determinado interlocutor parece, sem muita delicadeza, tentar incutir à minha mente algo como um teatro amador, um teatro provisório, um teatro arriscado, um teatro meio que iniciante, que tanto "teria a aprender". Não vejo por que, nos dias de hoje, isso teria de aplicar-se, na medida em que cansamos de nos decepcionar com diretores "de primeira linha" adaptando sofregamente, e sem a menor cara-de-pau, clássicos respeitáveis sob pontos de vista pedestres com a desculpa de popularizar o teatro (como se a população necessariamente precisasse ter gosto pedestre). Como afirmar amadorismo ou profissionalismo em conjuntura tal em que diretores, estes sim, respeitáveis erram horrorosamente apostando em espetáculos carcomidos por pontos de vista ultrapassados - lugar absolutamente inverso ao anterior, pouco se lixando para o público ou para a necessidade de um espetáculo ser, antes de mais nada, um espetáculo? Há muitos espetáculos por a

Art in America, setembro, cartas

what's wrong with art schools to the editors: i found your piece on the state of arts schools (aia, may '07) interesting and relevant, albeit one-sided. as a third-year undergraduate art student at ucla, however, i am fairly accustomed to one-sideness. though charles ray, an artist who teaches at my school, is quoted as saying 'the reason the kids here are getting all this early success is because they're not art students, they're young artists', i feel like is hardly the case. if i am a young artist and not an art student, why am i receiving grades, >>>or paying so much tuition money? why do i have so little control over the system that is governing my career decision, or so little voice in a discussion that is taking place about it?<<< while accomplished professors can tout the maturity of their students by calling them 'young artists', they ignore the fact that >>>we still have to fit into an age-old bureaucratic paradigm th

Pequenos Milagres (Grupo Galpão, apresentação de 18/08/2007)

Texto: Emprestado de histórias reais, envolvem fait divers (cabeça de cachorro e casal náufrago) e enredos em que a memória é o que mais se faz presente (o pracinha da feb e o vestido). A idéia da viagem do menino faz de Cabeça de cachorro o enredo que inicia e finaliza toda a encenação. O pracinha da feb arremete em drama, o vestido puxa mais para a comédia, e o casal náufrago radicaliza numa tragédia em clima noir. Ágil e repleto de pequenas sacadas que atráem a atenção da platéia e convidam à ironia, identificação e complacência, o texto exagera um pouco, contudo, em clichês, atribuindo aos personagens identificações mais chapadas do que eles mesmo têm. Cenário: Centrado numa grande estrutura que preenche todo o fundo do palco, composta de portas, janelas, gavetas, etc., que escondem artefatos fundamentais a determinadas cenas, e dão a base a encenações extremamente empáticas (exemplo: a introdução ao jogo do milhão, em casal náufrago), o cenário da peça serve perfeitamente como art

Pequenos Milagres (Grupo Galpão, apresentação de 18/08/2007)

Texto: Emprestado de histórias reais, envolvem fait divers (cabeça de cachorro e casal náufrago) e enredos em que a memória é o que mais se faz presente (o pracinha da feb e o vestido). A idéia da viagem do menino faz de Cabeça de cachorro o enredo que inicia e finaliza toda a encenação. O pracinha da feb arremete em drama, o vestido puxa mais para a comédia, e o casal náufrago radicaliza numa tragédia em clima noir. Ágil e repleto de pequenas sacadas que atráem a atenção da platéia e convidam à ironia, identificação e complacência, o texto exagera um pouco, contudo, em clichês, atribuindo aos personagens identificações mais chapadas do que eles mesmo têm. Cenário: Centrado numa grande estrutura que preenche todo o fundo do palco, composta de portas, janelas, gavetas, etc., que escondem artefatos fundamentais a determinadas cenas, e dão a base a encenações extremamente empáticas (exemplo: a introdução ao jogo do milhão, em casal náufrago), o cenário da peça serve perfeitamente como art