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A Hora e a Vez de Augusto Matraga (dir. André Paes Leme) (16092007)

Texto: Clássico de Guimarães Rosa, infinitas vezes transcriado para teatro. Ágil, respeitoso com o texto original (acabo de relê-lo, por cima), praticamente sem omissões (às vezes necessárias, para respeito do andar da peça), dito na leitura exata do texto (o que por vezes dificulta algo do entendimento). Os trechos em terceira pessoa são compartilhados por todos os atores, em função de seu lugar e possibilidade de apresentação, sem tropeços. Alguns trechos em terceira pessoa ficam com os personagens a que o discurso se refere, dando certo caráter cômico diversas vezes.
Cenário: Simples, praticamente imutável durante a peça inteira. Quatro paus com cabeças esqueléticas de boi, mesas (uma de cada lado) atrás, um carro de boi deslocado de um lado para o outro e adereços. O cenário peca um pouco pela simplicidade por ser espelhado (adereços de um lado iguais ao do outro). Praticamente todos os recursos cênicos são ditados pelo trabalho de luz, que faz uso de texturas, cores e dos vários níveis do palco (atrás, meio, frente). Poderia ter se investido mais, com - porém - visíveis problemas decorrentes do andar da peça, extremante ágil.
Atuações: Atuações em geral cativantes, especialmente pelos homens, que fazem o centro da trama. Jackyson Costa, como Matraga, é eficiente, embora peque por manter-se constante durante a reviravolta do personagem (não corporifica muito bem o Matraga bandoleiro, adaptando-se mais ao Matraga em busca de salvação). Fábio Lago sai-se melhor, especialmente ao fim, como Joãozinho Bem-Bem. Marcelo Fróes consegue manter muito a atenção do público em seus personagens Quim Recadeiro, especialmente. Leandro Castilho mostra muita comicidade de pastelão ao fazer o Jumento. Francisco Salgado, o Pai Preto, segura as pontas. Georgiana Góes e Cyda Morenyx seguram as pontas, sem porém muito destaque. Todos os atores cantam, segurando bem sua parte em cantos à la coral.
Direção: Extremamente dependente do jogo de luz, a direção é ágil e dessa forma eficaz, desenvolvendo o texto, passo a passo, com boas saídas de interlocução sem concentrar excessivamente a atenção num ou noutro ator. Mesmo quando as cenas são focadas num personagem em especial, diversos atores participam, atribuindo muito mais agilidade à encenação. Muito trabalho com símbolos (osso substituindo espingarda) e comicidade respectiva (quando os figurinos são mera desculpa). Indicado para o Shell 2007 (2 indicações), o
espetáculo é claramente um tour de force coletivo que usa diversas saídas que só o grupo consegue compensar. Cena em especial, envolvendo o lava-pés de uma espectadora, dá um clima especial e emocionante ao espetáculo. Boa saída, mostrando a conversão de Matraga.

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