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El Truco (Núcleo Experimental dos Satyros; dir. Roberto Audio, 09/09/2007)

Fala-se em teatro experimental e um determinado interlocutor parece, sem muita delicadeza, tentar incutir à minha mente algo como um teatro amador, um teatro provisório, um teatro arriscado, um teatro meio que iniciante, que tanto "teria a aprender". Não vejo por que, nos dias de hoje, isso teria de aplicar-se, na medida em que cansamos de nos decepcionar com diretores "de primeira linha" adaptando sofregamente, e sem a menor cara-de-pau, clássicos respeitáveis sob pontos de vista pedestres com a desculpa de popularizar o teatro (como se a população necessariamente precisasse ter gosto pedestre). Como afirmar amadorismo ou profissionalismo em conjuntura tal em que diretores, estes sim, respeitáveis erram horrorosamente apostando
em espetáculos carcomidos por pontos de vista ultrapassados - lugar absolutamente inverso ao anterior, pouco se lixando para o público ou para a necessidade de um espetáculo ser, antes de mais nada, um espetáculo? Há muitos espetáculos por aí, sim, claro. Assim como há autores, e ao que parece tantos mais quanto leitores. Autores, leitores, parecem em suma os mesmos, quando a gente os vê por aí nas ruas. "El Truco", de Roberto Audio, fala de guerra, e de abandono de guerra. Uma penca de gente abrigada sem nada para fazer, lutando com a falta de víveres, usando o teatro como forma de... se divertir? se expressar? se exibir? se embebedar? se enlouquecer? A idéia não parece nova, nem a intenção de usar Shakespeare para falar da valorização da arte em momentos de guerra acirrada. Guerra, claro, não a Segunda Guerra, guerra, a nossa guerra, de todos os dias. Mas na peça a guerra é mesmo a Segunda, para, ao que parece, tornar o enredo mais plausível, afinal, só assim, saindo-se é-se caçado como rato (será que só assim mesmo?). No Vietnã isso não seria possível. No Iraque dos dias de hoje, ora, estaríamos lidando com iraquianos, e... como eles são mesmo? A gente não sabe. Vemo-os morrerem por aí como moscas, mas não sabemos como eles são, exceto que morrem como moscas. Fiquemos na Segunda Grande Guerra. Lá estão os personagens que bem conhecemos, as classes médias, os milicos, os funcionários, as mulheres, as prostitutas, as garçonetes, as atrizes, as pessoas como nós mesmos, as pessoas.
É como pessoas que o espetáculo começa. Pessoas à la Revolução dos Bichos, cada uma com sua máscara animalesca, dando-nos conta de como humanos são animais, e de como animais são humanos, e de como as regras de uns... regem os outros? Dispenso-me de repetir o que vemos no palco. Todo um flashback para explicar, de forma singela, como é que aquele corpo de mulher quase nua foi parar ali bem na mesa. Todo um outro esgarçar de personalidades cadentes para esmiuçar o que é um farrapo humano em frangalhos, apostando em certo laivo de expressão para superar o que não tem nem para si mesmo. A peruana-paraguaia-sei lá em busca de uma chance para seu pequeno papel tão difícil de decorar. A mulher peituda que implora o palco para lamentar seu amor perdido. O Bute, bufão de Oberon, tentando cumprir seu papel. O aviador Tenente Ofélia revivendo/remorrendo sua missão sem saber para quê nem a quê veio, só sabendo que sabe matar. E mata.
Muito em comum El Truco tem com a recém-terminada Camino Real, de Tennessee Williams, encenada por Nelson Baskerville no Tucarena. Muito em comum que inicia com um árido tema, não um árido movie, a guerra e seus resultados. O fim das utopias, quem sabe, ou a utopia de um fim prosaico, quem sabe. Em ambas as peças os personagens parecem esgotar neles mesmos a potencialidade de expressão de mundos em transe. Uma neurose total que apenas mal põe em xeque esse tão robusto personagem do Quixote, mas que joga todo o resto à lata de lixo da história, servindo apenas como referencial culto de quem sente haver vivido a história da época. Em El Truco, nem isso. Muito menos isso. Nada parece requerer qualquer consulta à história. O que importa apenas, aos personagens presos no bunker, é passar o tempo e a energia tentando com isso passar o tempo e a energia, para com isso... passar o tempo e a energia. Nada mais circular, nada mais anacrônico do que para isso encenar uma peça real de teatro. Pois quem busca encenar realmente não o consegue por não saber como fazê-lo realmente, enquanto quem não busca encenar encena-se a si mesmo realmente, e para isso a realidade ganha de longe da ficção, essa coitada.
O ser humano esquartejado que vemos hoje face à história dos vencedores e dos vencidos-vencedores parece estar também aí, na incapacidade de as cenas colarem umas nas outras, de os personagens colarem a si mesmos uns aos outros, de existirem caracteres, personas, algo que o valha que escape do habitual rótulo de "o diretor", "o stand-in", "o marinheiro", "a filha do pastor", tudo restringindo o ser humano àquilo que o define enquanto papel social ou para o capital. Nada parece colar em nada, sem querer citar uma dessas penúltimas peças de Gerald Thomas, na quatrilogia Asfaltaram a Terra. Não precisamos ir tão longe, mas na preocupação de repercutir a política estão todos na mesma. E na incapacidade - prevista - de elencar tudo numa trama bem costurada. Pois hoje NADA aparece sequer costurado, quanto mais BEM costurado.
O trabalho do NES deixa patente algumas lacunas em interpretações, empostações ou mesmo na própria peça, no texto ou em diversos outros aspectos. Mas não pode ser considerado mais um trabalho experimental. É uma peça dentro de um livro e um livro dentro de uma peça. Não é apenas um experimento. E só isso já é de bom tom repetir: que venham as críticas, então.

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