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Postagens

Mostrando postagens de fevereiro, 2013

Corrida ao Caos (peça de Paulo Jordão)

Corrida ao Caos, a terceira peça que o Jordão me mandou, é de 2003/2004 e trata, com traços de absurdo, de uma lotação com quatro passageiros (falta um) que percorre as ruas de São Paulo rumo ao estádio do Pacaembu onde, de uma leva de dezenas de milhares de candidatos, serão sorteados de 200 para menos postos de carteiro. A peça, ágil como todas as do Jordão, é uma comédia rasgada em que a carência (de emprego) dá o tom. Todos estão desempregados, estão para estar ou têm medo de ficar. Um mundo em que não há lugar para muitos, na verdade para quase ninguém. Em que os requisitos superam a realidade, em que o destempero dá o tom do desespero. Não há muita trama a mais. Ao final, bom, ao final vocês descobrem o final. Mas noto dois pontos: que o absurdo do mote não recai numa peça absurda, ou se recai é pelo próprio teatro do absurdo, e que a agilidade é o que mais dá o tom na trama toda. Tirando um ou outro ditado popular reproduzido na peça e que por isso chega a enfraquecê-la, nã

Blasted (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

O Sandro (Coimbra) mandou mensagem dia destes no face pedindo indicação de leituras a respeito de Sarah Kane. Ele diz que está para montar a peça Blasted e que precisa saber mais dela. Pergunto aqui e acolá, alguém me diz sobre quem já montou a peça aqui e encontro também alguma coisa na net (livros, têm vários na Amazon). Um ensaio curto e duas dissertações de mestrado, que estou lendo. Chego à peça um pouco motivado pelo Sandro. Em linhas gerais, ela conta a história de um mundo dominado por soldados, que estupram mulheres e matam criancinhas, do qual Cate e Ian estão escondidos num quarto luxuoso de hotel. Ele, armado, com problemas respiratórios (fuma e está bem mal), ela, gaga quando sob estresse. Não sabemos se eles foram ou ainda são namorados. Masturbam-se, fazem sexo, limpam-se. Ela diz que não o ama. Ele diz que a ama. Aparentemente mais forte, Ian tem pavor de qualquer contato externo e odeia imigrantes. Cate desaparece, entra um soldado, que estupra Ian, lhe tira os dois

Acessos

A quem possa interessar, eis a tabela geral dos acessos deste blog.

Baseado na Boca (peça de Paulo Jordão)

Esta outra peça do Jordão ("Deus", para o Marião) é ainda mais engraçada que a outra sobre futebol. Esta - cujo título não tem nada a ver com baseado nem com boca mas com o fato de ter sido baseado na Boca (a lendária Boca do Lixo) - narra as peripécias de diretor, produtor, atores, atrizes, etc. na passagem da pornochanchada para o sexo explícito comprado no exterior. O tema é caro ao pessoal da Companhia do Faroeste, da rua do Triunfo, que recentemente encenou peça sobre isso mesmo. Mas Jordão pega outra via. Ele não se preocupa em criar mística nessa época toda, com a ditadura caindo e a censura deixando de fazer sentido. Ele simplesmente tira sarro de tudo criando personagens rasteiros mas, talvez por isso mesmo, bem engraçados. A contextualização histórica poderia, por exemplo, ter sido mais detida. Mas isso para ele não importa. Importa é que a censura grassava numa época e depois caiu em desuso. Jordão mostra como tudo isso influenciou o cinema feito na Boca, pass

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da

Onze Bolas e Um Jogador (peça de Paulo Jordão)

O Jordão ("Deus", para o Marião) resolveu me mandar três de suas peças por email. Não sei bem a razão. "Onze Bolas e Um Jogador" é uma delas. Não muito longa, mas com exatos 32 personagens, é uma abordagem bem-humorada das mazelas desse nosso esporte de origem bretã que o Brasil importou tão bem a ponto de roubarmos-lhes o título (afinal, somos ou não o país do futebol?). Tudo ocorre enquanto rola um jogo decisivo entre Esportivo e Continental, em que um deles vai cair de divisão. E tudo é diálogo. Entre jogadores e dirigentes, juízes e mães de juízes, zagueiros e atacantes em crise, homens de mala preta e goleiros, jogadores reserva, médicos, empresários e o escambau. Tem realmente de tudo na peça do Jordão. Os diálogos são ágeis e super bem-humorados. Impossível passar batido - em especial na cena que envolve o juiz. Mas há outras. Enquanto matava o tempo lendo a peça, veio-me a pergunta quanto a onde tudo aquilo iria parar. Não tinha a menor noção do que é

E.M.Cioran, Palestra Sobre Nada (adaptação, direção e interpretação: Euler Santi)

Ok. Aqui, mais do que em qualquer outro lugar, não sou nem posso ser isento. Cioran é uma presença fundamental em minha vida. Fiquei sabendo desta peça, do Euler, pela via do Marião, que comentou a respeito no face. O próprio Euler foi lá e comentou a realização da peça. Eu apenas não sabia que iria ser o próprio Euler a interpretá-lo. Como disse a um espectador antes do espetáculo, eu estava receoso. Não conseguia deixar de me remoer a curiosidade que seria colocar o próprio Cioran no palco, para interpretar seus escritos. Pois é isso o que é a peça: uma adaptação de seus escritos, tratados de forma cênica. O que não é pouco. Antes de mais nada, um pequeno esclarecimento. Cioran é tão importante em minha vida porque ele me reensinou a rir. Sim, pois à época, fazendo filosofia, eu levava o mundo a sério demais. Indicado pelo Renatinho, grande amigo de todo sempre, eu reaprendi a sorrir e a rir. Impossível não rir lendo muito do que escreve. Mas o que ele escreve é muitas vezes sér

Adaptação - Being There (Muito além do jardim), a partir de Being There (O Vidiota), ambos por Jerzy Kosinski

Estou refletindo de forma continuada naquilo em que consiste uma adaptação e se há, digamos, regras ou direções a tomar para realizá-la adequadamente. Venho utilizando dois estudos de caso para entender algo a respeito. Um deles é a peça Mulheres, do grupo Cemitério de Automóveis, baseada no livro homônimo do velho Bukowski, e o outro, o filme Muito além do jardim, de Hal Ashby, baseado em Being There (O Vidiota), de Jerzy Kosinski. Neste último caso, o livro e o roteirista são os mesmos, o que me leva ainda mais a usá-lo como, digamos, exemplo. Falarei do segundo caso. Este artigo parte do pressuposto de que o leitor tenha lido o livro e assistido o filme. O livro trata de forma muito mais superficial eventos que no filme levam bastante tempo ou requerem um tratamento mais detalhado, além de tratar de outra forma certos detalhes que fazem corpo no livro. Por exemplo, Chance, no livro, vive numa casinha separada do corpo principal da residência de O Velho. Não tem contato com prat

kerouac, meierhold, o teatro e sonhos

terminando de ler uma biografia do kerouac, reflito sobre a imensidão de passado que domina nossos passos entendo por que amigos permanecem sob a influência desse viajante que tentou achar deus e só encontrou perdição relembro a montagem de uma peça em que o marião faz o prório (kerouac). hoje a leitura seria diferente é interessante reparar que, em certa medida, quase tudo o que nos rodeia já estava lá, com aquela turma somos herdeiros não de um estilo de vida mas de convicções arraigadas nas nossas própria fraquezas agora finalmente leio on the road e entendo a parcela de gênio por trás das palavras desse que depois maldisse a própria obra, pelos efeitos deletérios em sua vida agora entendo por que o gerald tanto elevou os restos que eu colocava na internet, nos blogs, em minhas andanças pela américa latina. eu precisava compartilhar esse gosto não pelo inusitado mas pelo comum aberto a todos os outros do lado de fora deixaram marcas indeléveis tantas viagens. mas eu t

marião (postagem que fica algo a dever, mas vai ela, que é mais do que nada)

fui abordado agora há pouco por uma senhora pedindo dinheiro. eu disse de forma grosseira que não tinha - e era mentira. mas me arrependi depois. me arrependi mas repeti o erro. lembro-me de uma vez que o marião comentou a situação constrangedora que é um garoto pedindo para engraxar nossos sapatos. ele disse na ocasião que ele diz que não precisa mas que mesmo assim dá uma graninha ao garoto. na hora o marião disse o porquê, de que me esqueci. acho que a razão é: "ele tá trabalhando, né". o marião é cheio dessas atitudes compassivas. gosto especialmente quando ele comenta coisas quaisquer daquele jeito tranquilo que é só dele. recentemente ele me deu, talvez sem notar, dois bons conselhos. fato é que não me canso de admirar o ponto de vista dele diante de muitas coisas que acontecem por aí. acho que sou uma espécie de fã. mas a denominação que ele dá a isso é "irmão", que é como comprimenta. nada melhor. não vou me meter a contar todos os detalhes que vive

sobre levar o mundo a sério

eu levo o mundo a sério. tanto que o pessoal que me rodeia tem receio quando eu me aproximo. eu levo o mundo tão a sério que amedronto. mas por isso mesmo acho que a gente precisa se expor. para levar o mundo menos a sério. acho um porre essas pessoas que defendem seus lugares como se fossem sagrados. por lugares refiro-me a talentos, posições, lugares até. essas pessoas são bravas, muitas vezes. tudo bem, cada um, cada um. mas eu, de minha parte, preferiria que o mundo fosse mais engraçado. gente se colocando sob risco. chefes admitindo que não sabem. colegas admitindo erros quando os cometem. ou quando são folgados. eu mesmo, admitindo meus erros mais do que eu admito. a vida é lírica e engraçada e basta a gente acompanhar o crescimento de uma planta para entendermos como tudo é belo, frágil e ao mesmo tempo eterno. digo tudo isso como um contraponto: pois eu sempre sofro demais com os olhares maldosos quando eu simplesmente digo o que penso. respeito, sim, m

vanguardas

tenho uma certa ojeriza a esse negócio de vanguardas. a noção de vanguarda me remete àquelas priscas eras em que artistas, escritores e intelectuais se dirigiam ao mundo dizendo que a arte não poderia continuar como estava. que era preciso haver uma quebra. um novo rumo. é simpático, isso. uma espécie de quebra de paradigmas. ocorre que desde então todo mundo - excetuando os artistas mais comedidos - acaba sendo defrontado face o dilema: o que faz é vanguarda? pergunto: é preciso ser vanguarda para estar à frente? pois a questão é bem essa, pelo que reparo: estar à frente. como, dizem os críticos, os artistas sempre visam estar. não sei se é necessário estar à frente para fazer algo interessante na arte contemporânea. remeto-me à pintura figurativa. muitos consideravam-na morta. aí veio bacon, naquela exposição com o tríptico daquelas figuras deshumanas, e retomou algo que os outros consideravam morto. a vanguarda à época deveria estar investindo em campos novos, dis

agora vou dar uma de espírito de porco

desculpem, mas falo, sinceramente, com a melhor das boas intenções. sei porém que muitos irão me tomar como, nada mais, nada menos, um sujeito dado a ter espírito de porco. gosto de estudar. de tudo. em teatro, gosto de ler e tentar refletir sobre tudo o que o envolve. nessa medida, leio desde biografias, estudos históricos, estudos teóricos, livros de formação de atores, ensaios, de tudo. gosto de tudo, sem exceção. mas dia desses deparei-me face uma situação que gostaria de comentar brevemente. comprei há alguns meses um livro muito bem editado com aulas de um eminente professor de teatro. eminente no bom sentido. não se pode dizer que ele seja um burocrata qualquer. responsável por estudos de fôlego, ele também responde pela edição de uma batelada de livros sobre teatro, obras de teatro, algumas delas escritas também por ele próprio. é de certa forma surpreendente sua trajetória. como eu sou um cara, em última instância, respeitoso com o saber e com aqueles que lhe dão vo

O Vidiota, de Jerzy Kosinski (Ediouro)

Li o livro muito depois de ver o filme ("Muito Além do Jardim", de Hal Ashby), um de meus preferidos de todos os que conheço. O livro é surpreendentemente curto (101 páginas) e é acompanhado de um posfácio de Xico Sá. Narra a história de um sujeito (Chance) que nunca saiu de sua casa (onde trabalhou como jardineiro) até o momento em que é obrigado a isso, por causa da morte de seu patrão, O Velho. Sofre um pequeno acidente, é acolhido por um homem poderoso (Rand) com doença terminal e, graças a sua discrição e a uma série de golpes de sorte, se torna uma personalidade extremamente influente. De certa forma, o livrinho é uma nova versão do Enigma de Kaspar Hauser, o caso real de um homem que cresceu isolado e fechado num quarto e que de repente se vê em meio ao mundo. Pode-se argumentar que o livro é um ensaio sob a forma de romance sobre o poder da imagem. Mas o título original o desmente ("Being There"). Há, sim, uma série de referências ao poder da imagem

acaso o teatro é o que nos resta?

sou inquieto. o ruy um dia me elogiou de forma desmedida dizendo isso mesmo. que sou o cara mais inquieto (com respeito a teatro, ele ressaltou) que conhece. mas de nada me adianta tanta inquietude. os segundos passam um após o outro e para pagar as contas preciso trabalhar. gosto do que faço, mas se tivesse grana iria em outras direções, claro. mas não deixaria de trabalhar. em outras coisas. mas faria da minha inquietude, divisa, e da grana, uma forma de satisfazê-la. não importa "un bleo" o que acontece aqui no meu íntimo. a miríade de planos que eu tenho exigiriam décadas de dedicação - quem sabe exclusiva. muito provavelmente acabarei na praia. olhando o sol nascer. o teatro é o palco em que - noto - muito do que quero pode virar realidade. não consigo sequer imaginar no tanto de concessões que eu teria de enfrentar se me metesse a acreditar no cinema como meio de expressão. há alguns dias, um amigo me indicou um livro sobre roteiro. pronto, as fórmulas. não

ainda sobre jazz

posso com toda certeza dizer que o jazz foi e continua sendo uma das maiores paixões de minha vida. não que eu tenha me dedicado tanto a ele. houve gêneros musicais e atividades a que me dediquei mais, com certeza - talvez só menos que aos livros, na verdade (mas aí a competição é desleal). o que acontece é que com o jazz meu interesse ultrapassou influências, foi em direções insuspeitadas e chegou em alturas ímpares. muito mais que com a música clássica, por exemplo - onde parei em bach, se parei em algum lugar. um exemplo: fui muito além do free jazz. não fiquei apenas no jazz de big bands ou dos grandes. achei meus grandes. apostei neles. fui longe. cheguei à música eletrônica de priscas eras. entrei na interface entre jazz e eruditos. entrei em lugares inóspitos nos quais não vejo ninguém investindo. não fui até cage, apenas, por falta de grana. mas cage não é jazz. claro que passei por um ornette coleman. claro que passei por um braxton. claro que passei por keith jarrett. pa

a exatidão no jazz e no teatro

refletindo sobre minha relação com o jazz, recaio numa lembrança sobre exatidão. explico. se há algo que o art blakey e especialmente o winton marsalis conseguiram me inculcar foi o gosto pela nota exata. quanto mais complexo o solo, por exemplo, melhor. isso sem me referir, é claro, a um charlie parker. não minto quando digo que a complexidade desses e de muitos outros não me confunde. ao contrário. eu me deliciava a tal ponto com tantas notas exatas que conseguia reproduzi-las assobiando. como se eu fizesse solos reais. essa exatidão me domina em todos os âmbitos. na filosofia, na literatura, no jornalismo, em tudo. é uma exatidão que repercute em mim de tal forma que é quase tudo que me faz acreditar em algo maior, deus e o escambau. haveria algo em tamanha exatidão que ultrapassa a mediocridade humana. algo que fica para gerações posteriores e para o universo como um todo. não é por outra razão que me irritam peças (de teatro) em que o tom inexato faz com que percamos a aten

jazz (escrita sábado)

minha ligação com o jazz remonta a várias décadas, mas, sei lá por quê, acabei deixando de ouvi-lo nos últimos anos e me contentando com um gosto mais rústico a base de rock, metal e quando muito blues. na verdade, creio que o que aconteceu foi que fui me distanciando cada vez mais do gosto puro e simples e guardando mais e mais cds de jazz complexo e de vanguarda que algumas vezes mal lembra jazz, na verdade. esses cds descansam quase intactos, porém, e ficou uma certa saudade que acabei por minimizar este último fim de semana. eu fazia pós em comunicação - que não concluí. lia sobre marketing e outros negócios ligados a administração. à época, o marketing não grassava em todo lugar, e os estudos que fiz até que fizeram bem lá na usp - refiro-me à fea. nessa mesma época, descobri os grandes do jazz naquela coleção que ainda tenho com alguns dos principais hits de todos eles. não vou citá-los que isso é muito chato. cito apenas que, nos intervalos dos trabalhos, que eu escrevia nu

influências

venho assistindo muito e refletindo um tanto mais quanto à questão das influências. não vou dar uma geral aprofundada, que é impossível. as variantes existentes lá na minha mesa de estudo, nos livros que carrego por aí e nos links que acho aqui e acolá são inúmeras. e nem é tão importante assim verificar em que medida eu vou para lá ou para cá, em que medida o realismo e qual realismo me agrada, etc. e tal. caiamos na real. não sou ninguém nesse panorama todo. nem vou conscientemente em qualquer direção. a questão das influências ultrapassam esse trabalho. por exemplo, minha maior influência é um estrangeiro. o primeiro de maior relevo. diógenes, o cão. aquele que vivia num tonel. por quê? quem é meu amigo, quem gosta de nosso estilo de vida, pesquise um pouco. vai achar lá o começo de tudo. um começo que vai por fora do academicismo. pois quando soube e li mais sobre diógenes reparei que em grande medida ele é o nosso pai. o primeiro, embora ele tenha retirado influências de

Credores (de Strindberg; por: Grupo Tapa - direção: Eduardo Tolentino de Araújo)

reassisti a peça com o Tapa na companhia da Valentine, que me encontrou por lá. eu havia assistido há vários meses e não gostado muito. não por nada, algo me impediu de "entrar" na trama. desta vez houve muito gelo seco ao entrar e o clima inicial de sauna levou-me mais facilmente à relação entre os personagens - 3 (um homem doente e casado, sua mulher e o ex-marido dela). o triângulo é criado na hora e de cara a relação entre os sexos é o tema predominante. puro strindberg. mas ao contrário da primeira vez desta vez o texto pula da encenação e me faz refletir. não são mais palavras bem colocadas simplesmente estabelecendo uma relação conflituosa entre os protagonistas. são palavras que levam mais longe e que no meu caso me fazem querer mais lentidão, para eu poder desfrutá-las em tudo que proporcionam. mas a peça avança, e o contrato entre os dois homens deixa uma peça solta que só a mulher poderia trazer. o marido sente-se esgotado por ela e ela, poderosa, sente-se

Agro Negócio (de Marco Catalão, direção Roberto Alvim)

Fui à apresentação curioso com a cabeça falante que apareceu numa foto de divulgação. Mas não teve nenhuma cabeça falante. E não sei se isso foi uma perda. A peça de Marco Catalão, a sétima da Mostra de Dramaturgia Contemporânea, do Club Noir, trata, como é óbvio, do universo do agronegócio. Mas o tratamento não é tradicional. A pegada é clara: entramos no universo de uma atividade antenada com o que há de mais avançado no agribusiness contemporâneo mas dominada pelo arcaísmo das relações entre os cortadores de cana, a agroempresa, a atividade policialesca e os urubus (a imprensa). Somos defrontados face um acontecimento: a morte de um indivíduo (não adiantarei quem) e a existência eterna de sua cabeça, falante. Entramos na trama detetivesca de se apurar o assassino, de se entender o porquê da cabeça continuar falando sem parar, nas relações trabalhistas que envolvem a trama e no caráter ritualístico de muito deste universo. Não irei adiantar o que o espectador irá encontrar

heat (fogo contra fogo)

bem sei que de lá para cá muito foi feito em termos de filmes de ação, mas mesmo assim considero esta fita uma das melhores ever. perdi a conta de quantas vezes a vi e de quantas vezes decorei cenas em que não precisam aparecer necessariamente o de niro ou o al pacino. é engraçado. este filme não seria o que é se não fossem as cenas paradas e de romance. pois é o que o filme é: um filme sobre amor e confiança. a história é de uma gangue de ladrões da pesada que são perseguidos por um cara da homicídios que não deixa a dever a sua fama. de niro faz o chefe criminoso (neil), al pacino o policial. como diz no making off a atriz que faz a eady, garota do neil, os personagens são nojentos. a gente não consegue imaginar que o macneill realmente esteja amando ela. pois para ele a regra é apenas uma: quando o heat (calor) aparecer na esquina, é preciso se desvencilhar de tudo em 30 segundos. uma fuga permanente, em suma. há uma coreografia que domina o tempo todo. tendo assistindo

Amor (dir. Michael Haneke)

Fazia tempo que eu não via filmes franceses. Estes, pelo que sinto, sempre (ou quase) deixam impressões indeléveis que como que convidam a discussões interessantes - quando há âmbitos em que estas podem ocorrer, claro. Este trata de uma senhora idosa atingida por uma doença e de sua gradual queda no inominável, precisando ser cuidada pelo seu marido, tambem já idoso. Tudo se dá seguindo a cartilha do realismo. As personagens impõem-se como se fossem nossas vizinhas e deixam sutilmente passar suas idiossincrasias sem que sintamos que existe algo a ser mostrado. A trajetória da senhora rumo à queda é mostrada desde o primeiro indício da doença e passa por toda sua metamorfose. Pois, se a atriz algo tem a conseguir com tudo isso, é um globo de ouro ou um oscar, ou o caralho. Tudo feito para ela brilhar. Mas Trintignant não fica de escada, simplesmente. Ao contrário. Ele transparece tantos conflitos que por vezes sentimo-nos mais tocados por ele do que por ela, rumo a um debilitado es

O teatro e a vida

ano passado, por volta desta época, eu comecei a me enfronhar em oficinas com grupos de teatro variados. o primeiro foi o núcleo bartolomeu. depois, o redimunho. depois, o club noir. depois, o cemitério de automóveis. depois, entrei num grupo com a lulu pavarin. já havia me apresentado como diretor em 2011, nas satyrianas. apresentei-me como ator em bestas mortes, resultado do grupo da lulu. há poucos dias, num festival na vila madalena. agora estou num outro grupo que vai virar montagem. e fui convidado para outro com o mesmo fim. alguns colegas estão em outros grupos e outros, numa peça do beto bellini. tá tudo avançando. enquanto isso, assisto peças variadas e reassisto as que amo. é estranho reparar que tudo está bem diferente de outrora - saio bastante, não me sinto mais deslocado -, mas que no fundo está a mesma coisa. a vida é assim, parece. começo a ler com mais vagar e atenção a batelada de livros de e sobre teatro que comprei nos últimos anos. já li todas

10 mil acessos

tô prestes a comemorar 10 mil acessos aqui do blog e estou bem contente. não vou ficar comemorando números que isso não interessa a ninguém. interessa que quanto mais avanço mais amigas e amigos surgem por todo canto, que pelo visto me lêem e que devem curtir, o que é bem legal. o ato de se enturmar agora é mais concreto, amigas me visitam de longe, saio e vejo o que quero, bebo até que bastante - o loureiro disse ter-me visto capengando certa noite -, mas me controlo e até economizo, olha só. (se bem que hoje caiu uma grana...) em suma, curto bastante. esta noite eu poderia ter saído. mas preferi me conter. simplesmente não posso achar que dormindo 2 horas uma noite para depois trabalhar direto eu consiga me virar a contento. tenho metas a cumprir e venho achando até graça em tudo aquilo. ainda mais agora que consigo vislumbrar um futuro nessa minha lide. ter até que bastantes leitores num blog sobre teatro é incomum, creio eu. acompanho todo dia o andar da carruagem e devo ter

Sobre os editais apenas para negros

sei que estou meio atrasado neste debate, mas mesmo assim gostaria de discorrer algumas poucas linhas a respeito. eu me lembro quando começaram os debates sobre cotas. lembro-me de que a princípio eu fui contra elas. participei de um debate na faculdade de educação da usp em que muitos colocaram suas posições. uma senhora, professora, ficou espantada com a virulência de meus ataques e veio conversar comigo. a conversa foi civilizada mas não arredei pé. a única coisa que me convenceu foi uma professora negra afirmar que, no caso dela, seus pais eram empregada e motorista. ela disse, não deixemos que isso continue acontecendo. eu achei legal. era um convencimento pela via da razoabilidade e até pela emoção. cheguei a ponderar a respeito. o tempo avançou e eu fui ficando para trás na bagaça. toda a teorização a respeito das cotas deve, se não me engano, à teoria da justiça de john rawls. as discussões a respeito dominaram os estados unidos nas décadas de 70 e 80. aqui chegaram

Ainda sobre adaptações

continuo lendo o livro do buk, mulheres, e refletindo a respeito da adaptação feita pelo marião. antes, resta dizer que o livro é uma maçaroca complexa, repleta de idas e vindas, viagens, bebedeiras e cenas de sexo e amor, assim como de reflexões sutis sobre a arte de amar e ser amado. ontem notei que ao menos uma personagem (a katherine, até a metade do livro) foi simplesmente retirada de cena na adaptação e que outra, a histriônica tammie, foi adaptada sem mencionar o envolvimento amoroso com o buk - que pelo visto foi sério, apesar das maluquices dela. tão sério a ponto de ela ir com o buk a uma leitura em outra cidade, leitura essa com poemas de amor, vários deles direcionados a ela mesma. não vivemos num mundo ideal. precisamos fazer escolhas e essas foram as escolhas tomadas pelo marião e trupe. sinto agora, contudo, e infelizmente, que a compreensão do todo me foi um pouco deturpada e que não consigo mais identificar uma com outra coisa. a adaptação do marião centrou-se,

Sobre o trabalho do ator

é curioso ver de que forma o trabalho do ator serve para aproximar-nos ou não do universo que ronda a peça que está à nossa frente. comentarei quatro delas: mulheres, o concílio da destruição, a noite das tríbades e inferno na paisagem belga. todas eu já comentei brevemente. é engraçado: tanto em mulheres como nas tríbades a opção pelo realismo tem resultados diferentes. em mulheres, parece haver um exagero e comedimento planejados por um e outro ator. o chinaski, por exemplo, é em geral comedido. são relativamente poucas suas explosões. tammie e lydia são exageradas. a gente fica a um passo de enxergarmos algo de exagerado nesse exagero. em quase todos os casos, ronda um realismo mínimo. já nas tríbades o realismo passa por um exagero que, por essa via, parece tentar dar mais cor em personas que foram reais. strindberg explode diversas vezes, algo que me causa um certo mal-estar por não conseguir enxergar no personagem algo mais profundo sobre as mazelas a que era sujeito. a ex-e

"mulheres", do buk, o livro e a peça

ontem, o dia foi ocupado com diversas atividades. trabalho e condomínio. mas deu tempo de ler algo - até que bastante - do livro mulheres, do buk. isso motiva-me a refletir algo sobre a peça. a adaptação escolhe um ponto de vista. pois a ação no livro, como não poderia deixar de ser, transcorre em uma batelada de ambientes e situações. a principal escolha na peça foi de espaço. tudo ocorrendo no espaço limitado da sala da casa do buk. daí que foi necessário adaptar a realidade do livro a uma determinada clivagem. o resultado foi centrar ainda mais o resultado à mente do chinaski. tudo transcorre em sua mente, dizendo de outra forma. o local surge como espaço necessário. estou na metade das atribulações com a lydia. imaginava eu que fosse conveniente atribuir um sentido mais sofisticado a ela - a erika diz que vai nessa direção. mas não sei. realmente é o caráter barraqueiro de sua atuação (refiro-me à lydia, não à erika, a atriz) que sobrepõe-se a tudo o mais. mas sinto algumas

Sobre ver N vezes a peça Mulheres, do Buk, pelo Marião

estou dividido, preciso confessar. fui ver 5 vezes a peça mulheres, no teatro cemitério de automóveis. isso chega a ser um acinte, dada a disputa que se dá por ingressos para vê-la. quando fui ver a 4a vez, um colega apareceu tarde e lamentou que não iria poder vê-la. fiquei assim meio dividido. dar o ingresso a ele ou não? não dei, vi e não me arrependi. ontem aconteceu a mesma coisa, com uma conhecida. eu disse que iria pegar muito mal se eu repassasse. é como se eu virasse cambista. o próprio marião, ao me ver na fila, comentou, pô, contrera, vc é um filho da puta, deixa outros verem, porra. claro, ele disse sério, mas também ele disse meio brincando. mas o fato é que eu acabo causando um certo preju. acontece que eu não consigo. explico. dias atrás, fui ver duas outras peças. uma da lulu, outra do grupo tapa. saí da primeira bem, mas ao mesmo tempo cansado. o tema, o tratamento, as atuações, me cansaram. saí acabado. da segunda não saí bem. sei lá, algo comigo.

Incômodos com plateias

sou um cara chato com respeito a ocupar lugar em plateias de teatro. faço de tudo, de tudo mesmo, para ficar bem na frente e no centro. no fundo, não sei por quê. pois bem na frente a visão é mais limitada do que atrás, mesmo com pessoas na frente. mas é assim que eu sou, seja como for. vou à peça da lulu (amor de mãe - parte 13) e como de praxe sento bem na frente. eis que senta ao meu lado esquerdo um cara enorme, de queixo parecendo desenho do frank miller, que quase ocupa dois lugares e que claro invade o meu. mas nem foi este o principal problema, nem o fato de ele se mexer constantemente, especialmente sua perna esquerda. o fato é que ele, em toda sua enormidade, parecia não acompanhar a peça. mexia-se para lá e para cá, abaixava a cabeça, aparentemente pensando, distraía-se, mexia-se constantemente e, claro, não assistia a peça. óbvio que isso me incomodou, muito. mas esqueço. encaro como natural, inevitável, a peça chega ao fim e vamos todos embora. mas fico ressabiado.

A noite das Tríbades (de Per Olov Enquist, por: Grupo Tapa, em Teatro Viga)

embarco na criação de enquist, montada pelo tapa, do tolentino, sem reparar que a peça faz parte dos 100 anos da morte de strindberg. por isso, sou pego de surpresa. eis que aparece o próprio, com todas suas idiossincrasias (a maioria com respeito às mulheres). além do que a aparência do ator não deixa qualquer margem a dúvidas. todo mundo sabe que strindberg tinha muitos problemas com mulheres. aliás, teve várias delas, e, diria eu, sem me lembrar direito, com problemas com todas elas. há quem diga que ele era chauvinista e tudo o mais. não conheço biografia nem me meti a pensar muito a respeito, por isso de minha parte não dá para saber. mas é a partir desse pressuposto que a peça se desenrola. percebe-se desde o começo que o autor não morre de amores nem pela ex-esposa, nem pelas amigas lésbicas que moraram com o casal, nem com aparentemente qualquer tipo de mulher que ele tenha conhecido. as diatribes de august são incontáveis e constantes, e vemos que os problemas surgem mais

Inferno na Paisagem Belga (de: Os Satyros)

Fazia muito tempo desde que não via peça dos Satyros, os onipresentes Ivam Cabral e Rodolfo García Vásquez. "O Inferno", por sua vez, me perseguia há anos, tendo passado por lugares diversos, como o Centro Cultural, por exemplo (onde havia ido para assistir outra coisa, às vezes). A peça trata do relacionamento de Paul Verlaine e Arthur Rimbaud e de todas as ingerências que tal relacionamento causou para a arte mundial. Nada, claro, de realismo aqui. A intenção não é reconstruir nada nem criar ilusionismos para tentar reviver algo que já está morto mas cujos frutos vicejam por aqui e por ali. O Ivam recita algumas poesias de Rimbaud e de Verlaine e explica a que se deve a peça. Disserta sobre a importância do tema para a companhia e abre os trabalhos. A ode à tradição começa assumindo Descartes como ponto primordial, no caso, as definições que ele dá às 6 paixões que existem para o homem. Ivam define-as, segundo Descartes, e pergunta se o público concorda. Por algum acas

Amor de Mãe - Parte 13 (com Lulu Pavarin e Rodrigo Audi, direção Eric Lenate)

convidado pela Lulu após ter participado de um grupo de estudos com ela à frente, cheguei no sesc consolação sabendo um pouco da discreta mas persistente fama que cerca o diretor, jovem e uriundo do cpt de antunes filho. lembro-me de haver lido que nesta peça o tempo passa e nada acontece nos personagens, ou seja, não se usa maguiagem nem nada assim para aparentar a passagem do tempo que tudo corrói. mas creio que destacar tanto esse tipo de malabarismo é injusto, simplório até, como se não houvesse mais nada. não capto nem sou informado do nome dela, grávida de 30 anos. ela entra ensimesmada e rascunha numa espécie de diário aquilo que lhe aconteceu e acontece. por que ficar 30 anos sem dar à luz? o que está envolvido nisso tudo? aquilo que em outras mãos poderia soar inconsequente com a lulu permanece nitidamente em nossa retina. embarco na dela sem que me aperceba. mas ela dá à luz. um homem de 30 que não sabe a que veio. um bebê-homem feito. rodrigo audio é engraçado. ele te