Fazia muito tempo desde que não via peça dos Satyros, os onipresentes Ivam Cabral e Rodolfo García Vásquez. "O Inferno", por sua vez, me perseguia há anos, tendo passado por lugares diversos, como o Centro Cultural, por exemplo (onde havia ido para assistir outra coisa, às vezes).
A peça trata do relacionamento de Paul Verlaine e Arthur Rimbaud e de todas as ingerências que tal relacionamento causou para a arte mundial. Nada, claro, de realismo aqui. A intenção não é reconstruir nada nem criar ilusionismos para tentar reviver algo que já está morto mas cujos frutos vicejam por aqui e por ali.
O Ivam recita algumas poesias de Rimbaud e de Verlaine e explica a que se deve a peça. Disserta sobre a importância do tema para a companhia e abre os trabalhos. A ode à tradição começa assumindo Descartes como ponto primordial, no caso, as definições que ele dá às 6 paixões que existem para o homem. Ivam define-as, segundo Descartes, e pergunta se o público concorda. Por algum acaso, o microfone cai num rapaz atrás de mim e não cria qualquer polêmica ou desconfiança. Entrar nas paixões por meio de Descartes estabelece, contudo, uma relação forte com o tema. Não estamos viajando sem rumo.
Em seguida (pelo que me lembro), após alguns jogos de luz e de movimento, com anteparos de tecidos recortados longitudinalmente, explica-se a trajetória dos poetas. Quem era Rimbaud, quem era Verlaine, as condições de seus contatos e encontros e o abandono da vida comum em nome do amor. Eles se amavam. Entram as viagens, a Paris e a Londres, e todos os excessos a que se viram sujeitos. Verlaine volta à sua família (era casado), Rimbaud fica em Londres, criando, e posteriormente reencontram-se, Rimbaud pedindo sua volta, que não consegue. Verlaine atira em Rimbaud, que é atingido no pulso, sendo aquele preso e examinado pelas autoridades para conferir sua queda no homossexualismo (que é comprovada).
As trajetórias dos poetas passa pela apresentação de alguns de seus poemas, sobre assuntos vários como a eternidade (numa declamação que é, a pedido, acompanhada pela plateia - aqui há algo interessante, que irei tocar nas próximas frases) ou o cu, simplesmente (no poema do cu, que é dito inteiro pelo Ivam, após conversar com a plateia com perguntas algo picantes). Aqui: sinto o poema entrar no espectador, deixar de ser um outro, deixar de consistir num estranhamento, sendo dessa forma apropriado por todos, de uma forma lírica simples e potente. Gosto disso.
Após jogos de luz e de corpos, mostrando diversos tipos de nus (ou as relações entre os poetas), mostra-se o efêmero que foi a trajetória dos poetas e de que forma tudo isso iria afetar indelevelmente a poesia moderna. Tudo termina com - como de praxe para os Satyros - uma cena em que Ivam coloca fogo numa pequena roseira tentando criar comoção ao dizer que, enquanto todas as tragédias acontecem, não fazemos nada a respeito. É interessante. Eu pego a roseira das mãos dele mas ela pega fogo completamente. A visão cria em mim um emudecimento atroz e maravilhoso. Inacreditável o que acabei vendo no escuro.
A peça não é uma peça como qualquer um imaginaria ser. A quarta parede é rompida diversas vezes, os jogos de movimentos, luz e nus são bonitos mas ao mesmo tempo básicos um pouco demais, e o final, falsamente comovente - como quase sempre em que os Satyros se propõem recriar os laços entre os seres humanos. Mas não é de todo ruim. Fica bastante coisa interessante a pensar e sobre o que refletir.
Na saída, encontro Tiago, ator (que entrou na companhia pela área técnica), e o Henrique, também ator. Conversamos sobre a peça e a arte e este último expressa seu total rompimento com a arte tal como existe. Para ele tudo acabou com Duchamp. Não concordo, expresso algo que me estranha, e com os minutos acabamos nos afastando. É estranho como tanta desilusão pode acabar em encenação que (ainda) deixa algo na retina.
Como quase tudo que é desenvolvido pelos Satyros, a bola está sempre com a plateia. Vários me dizem não haver gostado. Acho isso irrelevante. Importante é sentir-se atraído e desafiado, refletir a respeito e sentir-se imerso na arte.
A peça trata do relacionamento de Paul Verlaine e Arthur Rimbaud e de todas as ingerências que tal relacionamento causou para a arte mundial. Nada, claro, de realismo aqui. A intenção não é reconstruir nada nem criar ilusionismos para tentar reviver algo que já está morto mas cujos frutos vicejam por aqui e por ali.
O Ivam recita algumas poesias de Rimbaud e de Verlaine e explica a que se deve a peça. Disserta sobre a importância do tema para a companhia e abre os trabalhos. A ode à tradição começa assumindo Descartes como ponto primordial, no caso, as definições que ele dá às 6 paixões que existem para o homem. Ivam define-as, segundo Descartes, e pergunta se o público concorda. Por algum acaso, o microfone cai num rapaz atrás de mim e não cria qualquer polêmica ou desconfiança. Entrar nas paixões por meio de Descartes estabelece, contudo, uma relação forte com o tema. Não estamos viajando sem rumo.
Em seguida (pelo que me lembro), após alguns jogos de luz e de movimento, com anteparos de tecidos recortados longitudinalmente, explica-se a trajetória dos poetas. Quem era Rimbaud, quem era Verlaine, as condições de seus contatos e encontros e o abandono da vida comum em nome do amor. Eles se amavam. Entram as viagens, a Paris e a Londres, e todos os excessos a que se viram sujeitos. Verlaine volta à sua família (era casado), Rimbaud fica em Londres, criando, e posteriormente reencontram-se, Rimbaud pedindo sua volta, que não consegue. Verlaine atira em Rimbaud, que é atingido no pulso, sendo aquele preso e examinado pelas autoridades para conferir sua queda no homossexualismo (que é comprovada).
As trajetórias dos poetas passa pela apresentação de alguns de seus poemas, sobre assuntos vários como a eternidade (numa declamação que é, a pedido, acompanhada pela plateia - aqui há algo interessante, que irei tocar nas próximas frases) ou o cu, simplesmente (no poema do cu, que é dito inteiro pelo Ivam, após conversar com a plateia com perguntas algo picantes). Aqui: sinto o poema entrar no espectador, deixar de ser um outro, deixar de consistir num estranhamento, sendo dessa forma apropriado por todos, de uma forma lírica simples e potente. Gosto disso.
Após jogos de luz e de corpos, mostrando diversos tipos de nus (ou as relações entre os poetas), mostra-se o efêmero que foi a trajetória dos poetas e de que forma tudo isso iria afetar indelevelmente a poesia moderna. Tudo termina com - como de praxe para os Satyros - uma cena em que Ivam coloca fogo numa pequena roseira tentando criar comoção ao dizer que, enquanto todas as tragédias acontecem, não fazemos nada a respeito. É interessante. Eu pego a roseira das mãos dele mas ela pega fogo completamente. A visão cria em mim um emudecimento atroz e maravilhoso. Inacreditável o que acabei vendo no escuro.
A peça não é uma peça como qualquer um imaginaria ser. A quarta parede é rompida diversas vezes, os jogos de movimentos, luz e nus são bonitos mas ao mesmo tempo básicos um pouco demais, e o final, falsamente comovente - como quase sempre em que os Satyros se propõem recriar os laços entre os seres humanos. Mas não é de todo ruim. Fica bastante coisa interessante a pensar e sobre o que refletir.
Na saída, encontro Tiago, ator (que entrou na companhia pela área técnica), e o Henrique, também ator. Conversamos sobre a peça e a arte e este último expressa seu total rompimento com a arte tal como existe. Para ele tudo acabou com Duchamp. Não concordo, expresso algo que me estranha, e com os minutos acabamos nos afastando. É estranho como tanta desilusão pode acabar em encenação que (ainda) deixa algo na retina.
Como quase tudo que é desenvolvido pelos Satyros, a bola está sempre com a plateia. Vários me dizem não haver gostado. Acho isso irrelevante. Importante é sentir-se atraído e desafiado, refletir a respeito e sentir-se imerso na arte.
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