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a exatidão no jazz e no teatro

refletindo sobre minha relação com o jazz, recaio numa lembrança sobre exatidão.


explico. se há algo que o art blakey e especialmente o winton marsalis conseguiram me inculcar foi o gosto pela nota exata. quanto mais complexo o solo, por exemplo, melhor. isso sem me referir, é claro, a um charlie parker.

não minto quando digo que a complexidade desses e de muitos outros não me confunde. ao contrário. eu me deliciava a tal ponto com tantas notas exatas que conseguia reproduzi-las assobiando. como se eu fizesse solos reais.

essa exatidão me domina em todos os âmbitos. na filosofia, na literatura, no jornalismo, em tudo. é uma exatidão que repercute em mim de tal forma que é quase tudo que me faz acreditar em algo maior, deus e o escambau. haveria algo em tamanha exatidão que ultrapassa a mediocridade humana. algo que fica para gerações posteriores e para o universo como um todo. não é por outra razão que me irritam peças (de teatro) em que o tom inexato faz com que percamos a atenção. é algo supostamente maquinal, isso de que gosto.

não importa. o problema é que, com minhas pesquisas todas, digo com respeito a jazz, isso levou-me a complexidades tamanhas que perdi o link. ou seja, além de não conseguir mais reproduzir os solos, algo do meu prazer também esvaiu-se com isso. a única exceção (na verdade, as duas únicas) são cecil taylor e anthony braxton. o primeiro, pelo excesso, e o segundo, pela carência. os dois, porem, perfeitamente exatos - o primeiro às vezes se perde um pouco, mas é compreensível - não conheço quem vá mais longe em complexidade e duração, tomadas em conjunto.

agora busco o termo médio? não sei. busco algo, é certo, só não sei mais O QUE nem QUEM poderá me dar.

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