Pular para o conteúdo principal

A noite das Tríbades (de Per Olov Enquist, por: Grupo Tapa, em Teatro Viga)

embarco na criação de enquist, montada pelo tapa, do tolentino, sem reparar que a peça faz parte dos 100 anos da morte de strindberg. por isso, sou pego de surpresa. eis que aparece o próprio, com todas suas idiossincrasias (a maioria com respeito às mulheres). além do que a aparência do ator não deixa qualquer margem a dúvidas.


todo mundo sabe que strindberg tinha muitos problemas com mulheres. aliás, teve várias delas, e, diria eu, sem me lembrar direito, com problemas com todas elas. há quem diga que ele era chauvinista e tudo o mais. não conheço biografia nem me meti a pensar muito a respeito, por isso de minha parte não dá para saber.

mas é a partir desse pressuposto que a peça se desenrola. percebe-se desde o começo que o autor não morre de amores nem pela ex-esposa, nem pelas amigas lésbicas que moraram com o casal, nem com aparentemente qualquer tipo de mulher que ele tenha conhecido. as diatribes de august são incontáveis e constantes, e vemos que os problemas surgem mais profundamente do que imaginamos.

a peça toda gira em torno disso. em última instância, o argumento é claro: as brigas de strindberg com a ex-esposa e sua (dela) amente, em remissões a um tempo passado não muito distante e a um futuro amedrontador ("eu não posso viver sem mulher", diz ele).

a gritaria de parte do ator que faz o autor me irrita um pouco. é claro, penso aqui comigo, que strindberg devia responder, sim, violentamente a tudo o que dizia respeito a sua intimidade e relação com as mulheres, mas, sei lá, algo parece restar no personagem que não justifica tamanha violência. claro, o autor (Enquist), para dar mais sabor à trama, abusa do cinismo nas entradas de strindberg, que é de onde surge a maioria das gags com que a plateia - mas não eu - se delicia. mas essas saídas cínicas não parecem acrescentar. vejo à minha frente um cara que tem problemas, em suma.

fico um pouco receoso em partir para uma avaliação crítica que vá mais além, pois, por razões idiossincráticas de minha parte, saio bem insatisfeito. digo que são razões com as quais não dá para argumentar porque parecem dizer respeito apenas a meu gosto, e só. tanto que no dia seguinte, entre assistir mais do grupo ou mais uma vez do que já conheço e que me satisfaz, escolho esta última opção. por comodismo, claro.

o cenário é simples mas bem fornido (ao fundo, tapumes de extremo bom gosto, parecem uma pintura), as atuações um pouco relutantes, mas de resto tudo se conduz de forma a agradar, e bastante. quem quer entrar nesse universo deve se deliciar, e não pouco. é isso.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da

(Em) Branco (de Patricia Kamis, dir. Roberto Alvim, Club Noir, 3as a 5as durante o mês de agosto)

Fui à estreia da segunda peça da leva de oito novos selecionados que o Alvim vai encenar municiado de sua leitura na noite anterior. Esperava ver algo relativamente tradicional e nutria um certo receio de déja vu. A atriz e os dois atores permanecem estáticos em quadrados iluminados por baixo. O caráter estático não se refere apenas ao corpo em contraponto com o rosto, mas também a este, mutável apenas (e repentinamente) por expressões fugazes. Os olhares permanecem fixos. O texto segue a ordem 1, 2, 3 (segundo o Alvim, emissores mas não sujeitos), que eu imaginava que iria entediar. As falas são ora fugazes ora propositalmente lentas e sua relação tem muito a ver com o tempo assumido em um e outro momento. Não irei entrar no âmago da peça. Nem irei reproduzir o que a própria autora, o dramaturgo Luciano Mazza e o próprio Alvim disseram no debate posterior a ela. Direi apenas que durante ela nossa sensibilidade é jogada de um lado a outro num contínuo aparentemente sem fim sem c