Pular para o conteúdo principal

Corrida ao Caos (peça de Paulo Jordão)

Corrida ao Caos, a terceira peça que o Jordão me mandou, é de 2003/2004 e trata, com traços de absurdo, de uma lotação com quatro passageiros (falta um) que percorre as ruas de São Paulo rumo ao estádio do Pacaembu onde, de uma leva de dezenas de milhares de candidatos, serão sorteados de 200 para menos postos de carteiro.


A peça, ágil como todas as do Jordão, é uma comédia rasgada em que a carência (de emprego) dá o tom. Todos estão desempregados, estão para estar ou têm medo de ficar. Um mundo em que não há lugar para muitos, na verdade para quase ninguém. Em que os requisitos superam a realidade, em que o destempero dá o tom do desespero.

Não há muita trama a mais. Ao final, bom, ao final vocês descobrem o final. Mas noto dois pontos: que o absurdo do mote não recai numa peça absurda, ou se recai é pelo próprio teatro do absurdo, e que a agilidade é o que mais dá o tom na trama toda. Tirando um ou outro ditado popular reproduzido na peça e que por isso chega a enfraquecê-la, não há muito do que reclamar. Pego-me a refletir de leve na questão do desemprego. No mundo que está por aí (preciso indicar: de que adianta ter milhares de amigos virtuais? Acaso isso permite achar emprego? Colega passa por essa situação). Claro, o assunto é candente e é bem adequado rir dessa nossa desgraça. Mas não vou muito além. Fico por aqui, na superficialidade. Mesmo com o toque absurdo de candidatos cada vez mais em profusão e de vagas diminuindo cada vez mais.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...

29/7 (a partir de 28) - Teatro e artes

Ontem, ao ouvir o Gerald, quanto a como coloca a musica (depois), e depois ainda, ao ver uma musica passando pela partitura (e me deixando uma impressao de impossibilidade de traducao em algo mais), percebi que a arte finalmente havia voltado a assumir um lugar inextrincavel em mim. Finalmente percebi novamente que ela existia em mim para algo alem da minha vida, e percebi tambem que qualquer motivacao extemporanea (tipo celebridade, valor em si, razao) para ela era, alem de inutil, irrelevante. Percebi isso e na hora me libertei de coisas ao meu redor imensas, que me faziam sentir amargurado por um peso muito grande. Como se eu DEVESSE atribuir algo aa minha vida por me sentir pequeno demais para tudo o que investi nela. Isso fez com que eu tambem entendesse que, quando QUALQUER COISA for bem feita, ja EE arte em si, e por isso mesmo entendi o valor da edicao no cinema, da atuacao, da luz e tudo mais. Tudo adquiriu de repente um valor maior, para alem da vida inclusive.