Pular para o conteúdo principal

O Vidiota, de Jerzy Kosinski (Ediouro)

Li o livro muito depois de ver o filme ("Muito Além do Jardim", de Hal Ashby), um de meus preferidos de todos os que conheço.


O livro é surpreendentemente curto (101 páginas) e é acompanhado de um posfácio de Xico Sá.

Narra a história de um sujeito (Chance) que nunca saiu de sua casa (onde trabalhou como jardineiro) até o momento em que é obrigado a isso, por causa da morte de seu patrão, O Velho. Sofre um pequeno acidente, é acolhido por um homem poderoso (Rand) com doença terminal e, graças a sua discrição e a uma série de golpes de sorte, se torna uma personalidade extremamente influente.

De certa forma, o livrinho é uma nova versão do Enigma de Kaspar Hauser, o caso real de um homem que cresceu isolado e fechado num quarto e que de repente se vê em meio ao mundo.

Pode-se argumentar que o livro é um ensaio sob a forma de romance sobre o poder da imagem. Mas o título original o desmente ("Being There"). Há, sim, uma série de referências ao poder da imagem, no caso, da televisão. Mas creio ser parcial uma leitura focada essencialmente nisso. Há no personagem de Chance aspectos radicalmente avessos a leituras reducionistas. Tomo por exemplo suas respostas, quase sempre simplórias. Elas são entendidas sempre de outra forma. Onde estaria o problema, nele ou em seus interlocutores? A simplicidade, por ser enigmática, acaba muitas vezes por levar longe - mas isso não é questão de imagem, necessariamente. Discordo do Xico ao mencionar fortemente o personagem de Bartleby, de Melville. Chance não é o homem que prefere-não. Ele é o personagem-espelho: sem saber o que é, busca-se no outro, que acha aquilo que ele próprio é.

Deverá ser bem interessante para mim comparar o livro original com sua versão no filme. Mas desde já sugiro ambos: aquilo que neste pode parecer chapado no livro aparece com maiores nuances. O que não significa que um seja superior ao outro; significa, isso sim, que as artes podem se complementar mutuamente.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm

(Em) Branco (de Patricia Kamis, dir. Roberto Alvim, Club Noir, 3as a 5as durante o mês de agosto)

Fui à estreia da segunda peça da leva de oito novos selecionados que o Alvim vai encenar municiado de sua leitura na noite anterior. Esperava ver algo relativamente tradicional e nutria um certo receio de déja vu. A atriz e os dois atores permanecem estáticos em quadrados iluminados por baixo. O caráter estático não se refere apenas ao corpo em contraponto com o rosto, mas também a este, mutável apenas (e repentinamente) por expressões fugazes. Os olhares permanecem fixos. O texto segue a ordem 1, 2, 3 (segundo o Alvim, emissores mas não sujeitos), que eu imaginava que iria entediar. As falas são ora fugazes ora propositalmente lentas e sua relação tem muito a ver com o tempo assumido em um e outro momento. Não irei entrar no âmago da peça. Nem irei reproduzir o que a própria autora, o dramaturgo Luciano Mazza e o próprio Alvim disseram no debate posterior a ela. Direi apenas que durante ela nossa sensibilidade é jogada de um lado a outro num contínuo aparentemente sem fim sem c