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Amor (dir. Michael Haneke)

Fazia tempo que eu não via filmes franceses. Estes, pelo que sinto, sempre (ou quase) deixam impressões indeléveis que como que convidam a discussões interessantes - quando há âmbitos em que estas podem ocorrer, claro.


Este trata de uma senhora idosa atingida por uma doença e de sua gradual queda no inominável, precisando ser cuidada pelo seu marido, tambem já idoso.

Tudo se dá seguindo a cartilha do realismo. As personagens impõem-se como se fossem nossas vizinhas e deixam sutilmente passar suas idiossincrasias sem que sintamos que existe algo a ser mostrado. A trajetória da senhora rumo à queda é mostrada desde o primeiro indício da doença e passa por toda sua metamorfose. Pois, se a atriz algo tem a conseguir com tudo isso, é um globo de ouro ou um oscar, ou o caralho. Tudo feito para ela brilhar. Mas Trintignant não fica de escada, simplesmente. Ao contrário. Ele transparece tantos conflitos que por vezes sentimo-nos mais tocados por ele do que por ela, rumo a um debilitado estado infantil.

Os planos são lentos. As ocorrências do acaso parecem mesmo do acaso - como a entrada da pomba no apartamento. Ao final, que não irei contar, escapa-se drasticamente no realismo e caímos num desenlace bem mais palatável do que simplesmente a realidade. Há é claro uma certa concessão a emocionalismos, mas é de leve. Nada que ponha tudo a perder.

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