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A Última Vez que te Matei (de Mário Bortolotto, dir. Nélson Peres)

Não conhecia o texto do Mário, que foi desta vez encenado pelo Nelsinho com a participação de três amigos, duas amigas (Raquel Cantanho e Viviane Moraes) e um amigo (Cézar Hiraki Velázquez). Foi a segunda cena da noite das Quintas em Cena (a primeira foi de um texto do Antonio Prata dirigido pelo Lucas Mayor).
Com este texto, eu retomo os textos sobre peças de teatro que rolam por aí e que (a maioria) não têm o menor espaço na imprensa ou mesmo nos blogs especializados, que no fundo seguem o mesmo padrão dos jornais e revistas - cobrir o que seria necessariamente interessante para o público de sempre, esse que sempre irá gostar do teatro de sempre.
A Raquel faz parte de um grupo meu e tenho lidado com ela nos últimos meses em cenas que foram e irão ser apresentadas em saraus de que fazemos parte. Por isso, conheço sua postura em cena e sei a que ela está acostumada. Por isso não me surpreendeu vê-la dedicar o mesmo esforço desta vez a um personagem que "viaja" entre a confissão de um fato real (haver matado o namorado), o medo de ser julgada (vejam, não é necessariamente "presa", ela não quer ser julgada de forma injusta), o sentimento para com o namorado (que seria um cara irritante) e o temor quanto aquilo que vai acontecer (agora sim, ser presa). O problema é que ela não diferencia claramente um momento do outro, e ficamos a ver uma atriz num estilo naturalista, meio teatrão, sem conseguirmos ver todo o potencial esquizofrênico da dita personagem - algo que está no próprio texto.

Já a Vivi, com a qual já trabalhei num grupo, assume de cara uma gênese, em sua personagem, que vai do falso ingênuo ao realista cínico que ela trabalha bastante bem, ainda curtindo essa esquizofrenia patente nos personagens dessa cena do Mário. Embora ela também não distinga claramente um e outro momento, com ela sentimo-nos mais à vontade nesse afã de tirar sarro da situação ao mesmo tempo em que se comove - um pouco - com o drama da amiga. A entrada do Cézar, fazendo o Haroldo, namorado da personagem da Vivi, pareceu-me meio pouco à vontade, tanto na colocação em cena quanto nas falas, que parecem aparecer sem realmente aparecer. O desfecho é uma brincadeira de linguagem, que não cabe contar aqui.

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