Pular para o conteúdo principal

A História dos Ursos Pandas contada por um saxofonista que tem uma namorada em Frankfurt, de Matéi Visniec (É Realizações Editora)


A peça, uma das duas de um dos quinze livros da coleção, chama a atenção pelo detalhismo. Na trama, ele se vê na cama, nu, diante dela, sem se lembrar de nada o que aconteceu, se aconteceu, entre eles. Em seguida, eles combinam que ficarão nove dias juntos, sem se saber exatamente por quê. A peça narra diálogos e situações em que eles passam nesses nove dias até um desfecho impressionante.
Aqui nesta resenha fico numa situação desconfortável pois, ao contrário das outras, as situações e os detalhes não podem ser contados antecipadamente com prejuízo da leitura e do entendimento. Nota-se contudo que os detalhes são os que conferem atração à trama e o inusitado das situações, um efeito catártico à inversa - pois não somos conduzidos a um desfecho que explica, mas a um que complica. Terminamos sem saber o que pensar mas, note-se, sabendo o que pensar de um inusitado remetido ao nível do quase escatológico. O suspense, note-se, permanece aceso até o fim. E ao final até a menção a cheiros, aromas, faz crer que a encenação pode ser algo realmente fantástico. Sentimo-nos praticamente levitar em função do que vemos e entendemos. É algo quase metafísico, isso.
Estranho que a editora tenha decidido colocar a pecinha em conjunto com outra ("Um trabalhinho para velhos palhaços"), pois ela basta-se por si só e, ainda mais, promove discussão. É quase impossível ler a peça sem ser conduzido a uma região do insondável, algo que parece aproximar o autor daquilo que o próprio Valère Novarina parece propor - o indizível.
Fico por aqui. Falta a outra peça.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...

(Em) Branco (de Patricia Kamis, dir. Roberto Alvim, Club Noir, 3as a 5as durante o mês de agosto)

Fui à estreia da segunda peça da leva de oito novos selecionados que o Alvim vai encenar municiado de sua leitura na noite anterior. Esperava ver algo relativamente tradicional e nutria um certo receio de déja vu. A atriz e os dois atores permanecem estáticos em quadrados iluminados por baixo. O caráter estático não se refere apenas ao corpo em contraponto com o rosto, mas também a este, mutável apenas (e repentinamente) por expressões fugazes. Os olhares permanecem fixos. O texto segue a ordem 1, 2, 3 (segundo o Alvim, emissores mas não sujeitos), que eu imaginava que iria entediar. As falas são ora fugazes ora propositalmente lentas e sua relação tem muito a ver com o tempo assumido em um e outro momento. Não irei entrar no âmago da peça. Nem irei reproduzir o que a própria autora, o dramaturgo Luciano Mazza e o próprio Alvim disseram no debate posterior a ela. Direi apenas que durante ela nossa sensibilidade é jogada de um lado a outro num contínuo aparentemente sem fim sem c...