à tarde deu-me uma imensa vontade de assistir novamente a última peça do marião. vieram-me à mente cenas, imagens, diálogos, entonações, tudo de que já tanto curti que nem me lembro mais.
foi a enésima vez que a assisto.
sim, claro, contribui que a cada vez me sinto mais à vontade entre o pessoal.
mas realmente eu sentira saudade dos personagens.
pena que daqui a pouco eles voltarão a ser o que são - ficção a ser encenada.
nem vou falar do que trata a peça porque eu já disse, não tenho a menor vontade de repetir, e nem faço questão de motivar quem quer que seja a vê-la - claro que tendo sempre mais gente fica mais legal, claro. escrevo simplesmente pela curtição de rememorar os personagens. os diálogos. as cenas que me fazem rir, sorrir, sempre, e ampliar, sempre um pouco mais, o entendimento de nosso mundo. sem pretensões. é teatro. sabe, teatro?
mas algo mais ficou - de que não fazia conta.
em minha vida de 45 anos, houve ao menos três momentos em que tudo, o barco todo, virou.
o primeiro foi um ato de violência.
o segundo, uma desistência.
o terceiro, uma profunda vergonha acrescida de um orgulho desmedido, quase simultâneo.
lembro-me desses momentos como se os revivesse a todo instante.
o primeiro poderia ter-me quebrado por inteiro. mas eu soube superar. a violência às vezes é mesmo necessária - e, cá entre nós, dá também uma satisfação desmedida. a crueldade presente em todos nós.
o segundo foi o ápice de um processo que me levou a paroxismos. eu desisti e joguei tudo para o ar. lembro-me exatamente do momento em que tomei a decisão. eu mal imaginava o que me esperava. algo que chegou, levou alguns anos, mas caiu como uma porrada enorme na cabeça - da qual eu nunca mais me recuperei.
o terceiro foi consequência tardia do segundo ato. com ele, viraria persona non grata. seria obrigado a enfrentar todo mundo no olho, com uma vergonha encalacrada, mas também com o orgulho de ter enfrentado tudo e todos. foram meses, anos até, de enfrentamento surdo. havia o motivo da vergonha, sim. mas havia também o orgulho de não arredar pé. obrigaria os outros a se defrontarem perante algo que não aceitavam sem saber contudo como reagirem. essa vergonha iria ser acompanhada de uma vingança. aquele jogo surdo que só assume quem tem o poder e sabe usar da arbitrariedade. nunca mais também eu iria me recuperar.
o que é em parte mentira. foi graças ao teatro, creio, que eu consegui voltar à superfície e respirar.
na peça, um dos motoqueiros mata o pai com um tiro de glock. é condenado, não se arrepende, cumpre a pena e toda a peça gira ao redor disso, da presença de um deus que desconhecemos e que talvez nem exista, e dos dilemas a que todo ser humano é por vezes sujeito. aquele momento em que chuta o pau da barraca. o que sobra, depois? sobra alguma coisa?
devo ter sido o cara que mais assistiu a peça nos últimos meses.
legal, isso.
foi a enésima vez que a assisto.
sim, claro, contribui que a cada vez me sinto mais à vontade entre o pessoal.
mas realmente eu sentira saudade dos personagens.
pena que daqui a pouco eles voltarão a ser o que são - ficção a ser encenada.
nem vou falar do que trata a peça porque eu já disse, não tenho a menor vontade de repetir, e nem faço questão de motivar quem quer que seja a vê-la - claro que tendo sempre mais gente fica mais legal, claro. escrevo simplesmente pela curtição de rememorar os personagens. os diálogos. as cenas que me fazem rir, sorrir, sempre, e ampliar, sempre um pouco mais, o entendimento de nosso mundo. sem pretensões. é teatro. sabe, teatro?
mas algo mais ficou - de que não fazia conta.
em minha vida de 45 anos, houve ao menos três momentos em que tudo, o barco todo, virou.
o primeiro foi um ato de violência.
o segundo, uma desistência.
o terceiro, uma profunda vergonha acrescida de um orgulho desmedido, quase simultâneo.
lembro-me desses momentos como se os revivesse a todo instante.
o primeiro poderia ter-me quebrado por inteiro. mas eu soube superar. a violência às vezes é mesmo necessária - e, cá entre nós, dá também uma satisfação desmedida. a crueldade presente em todos nós.
o segundo foi o ápice de um processo que me levou a paroxismos. eu desisti e joguei tudo para o ar. lembro-me exatamente do momento em que tomei a decisão. eu mal imaginava o que me esperava. algo que chegou, levou alguns anos, mas caiu como uma porrada enorme na cabeça - da qual eu nunca mais me recuperei.
o terceiro foi consequência tardia do segundo ato. com ele, viraria persona non grata. seria obrigado a enfrentar todo mundo no olho, com uma vergonha encalacrada, mas também com o orgulho de ter enfrentado tudo e todos. foram meses, anos até, de enfrentamento surdo. havia o motivo da vergonha, sim. mas havia também o orgulho de não arredar pé. obrigaria os outros a se defrontarem perante algo que não aceitavam sem saber contudo como reagirem. essa vergonha iria ser acompanhada de uma vingança. aquele jogo surdo que só assume quem tem o poder e sabe usar da arbitrariedade. nunca mais também eu iria me recuperar.
o que é em parte mentira. foi graças ao teatro, creio, que eu consegui voltar à superfície e respirar.
na peça, um dos motoqueiros mata o pai com um tiro de glock. é condenado, não se arrepende, cumpre a pena e toda a peça gira ao redor disso, da presença de um deus que desconhecemos e que talvez nem exista, e dos dilemas a que todo ser humano é por vezes sujeito. aquele momento em que chuta o pau da barraca. o que sobra, depois? sobra alguma coisa?
devo ter sido o cara que mais assistiu a peça nos últimos meses.
legal, isso.
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