antes de entrar, vi de soslaio o gero se preparando. pulando, dançando de forma leve, leve.
nada na história do van gogh me fascina. ele virou sinônimo do gênio incompreendido e do artista próximo à loucura. assim como artaud. não tenho cultura suficiente para admirar seus quadros como se deve. estranhíssimo que ele não tenha vendido nenhum em vida.
a história da casa amarela está no programa, mas eu não o li pela dificuldade da letra, imitando os caracteres cursivos. deu-me uma aflição perceber tanta dificuldade. preferi não embarcar naquela.
o gero aparece fora do teatro, no parlapa, e convida todos a entrarem em sua casa. a tal.
impossível evitar o deixar-se levar pelas mãos. todos entram contentes, já de chofre, e por alguma razão, talvez por eu estar bem à frente, o gero me dá uma flor, um girassol - verdadeiro -, me pede para que o carregue, e depois, bem no começo, me pega pelas mãos e me "pinta". encaro todos sem saber o que fazer. eu faço parte da peça então não posso quebrar a quarta-parede. mas que porra, eu estou assistindo. não vejo ninguém. todos à minha frente e ninguém.
volto à plateia.
acompanhamos as idas e vindas da mente desse que se propõe ser um acólito desses quase vagabundos que mal sabiam enfrentar a vida tal como ela se apresentava a seus olhares profundos. impossível deixar de se emocionar com o solilóquio desesperado desse que não era abandonado jamais por uma sensibilidade atroz que lhe fazia enxergar movimentos onde eles pareciam não existir, ligações metafísicas entre objetos cotidianos, críticas atrozes de quem enxergava através das paredes.
mas há um momento, houve um momento, em que tanta viagem passou a cansar. as virtuais reminiscências do relacionamento van gogh - gauguin, plausíveis e imagináveis, com todos os conflitos decorrentes, conduzia-me a um desespero mudo de não saber exatamente o que estava acontecendo. o que há por detrás de tanta dor?
a concretude da tinta, do corpo, do traço explodem quando van gogh corta a orelha e por vezes me remetem aos movimentos sincopados de um pollock, cansado de tentar reproduzir o que não via. quase dói o ato do corte da orelha. fica ela, o buraco, chapado, enquanto gero se prepara para o lambuzar final - que não me comove.
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