Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos.
O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito.
Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da noite eterna/ não me deixe esquecer" é patente demais. Até demais. E o que esperar de números jogados na página em ordem decrescente, sem qualquer (sem qualquer?) lógica entre si? E de "por não ter nada a dizer sobre minha 'doença' que de qualquer maneira é apenas saber que não há significado em coisa nenhuma porque eu vou morrer"? Numa primeira leitura, tudo parece fake demais. Mas depois da leitura completa, com o amargor na boca, tudo assume uma outra dimensão. Repito, não é por saber que depois da escrita da peça ela se matou. Seria desmerecer o que se lê, o que se infere deste lamento compungido em frases e toques que muitas vezes, muitas vezes, parecem não ter sentido algum.
Mas por outro lado reflito e me vem a impressão do mal que ela parece haver causado à autoria para o teatro fazendo as coisas como fez. Pois hoje parece ter virado moda não respeitar qualquer convenção, jogar tudo na página, confundir vozes, deixar palavras soltas no ar, como se devessem ser decifradas, e vejo isso em todo lugar - e não me convence. Não como esta peça, sem querer, me convenceu. Por que sem querer? Porque não queria realmente encontrar algo bom nesta bagunça toda. Mas achei.
Vocês podem achar o texto na internet em diversas versões. Esta, foi a Dani que nos deu em sua oficina.
São 28 páginas de puro desespero. Que recomendo.
O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito.
Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da noite eterna/ não me deixe esquecer" é patente demais. Até demais. E o que esperar de números jogados na página em ordem decrescente, sem qualquer (sem qualquer?) lógica entre si? E de "por não ter nada a dizer sobre minha 'doença' que de qualquer maneira é apenas saber que não há significado em coisa nenhuma porque eu vou morrer"? Numa primeira leitura, tudo parece fake demais. Mas depois da leitura completa, com o amargor na boca, tudo assume uma outra dimensão. Repito, não é por saber que depois da escrita da peça ela se matou. Seria desmerecer o que se lê, o que se infere deste lamento compungido em frases e toques que muitas vezes, muitas vezes, parecem não ter sentido algum.
Mas por outro lado reflito e me vem a impressão do mal que ela parece haver causado à autoria para o teatro fazendo as coisas como fez. Pois hoje parece ter virado moda não respeitar qualquer convenção, jogar tudo na página, confundir vozes, deixar palavras soltas no ar, como se devessem ser decifradas, e vejo isso em todo lugar - e não me convence. Não como esta peça, sem querer, me convenceu. Por que sem querer? Porque não queria realmente encontrar algo bom nesta bagunça toda. Mas achei.
Vocês podem achar o texto na internet em diversas versões. Esta, foi a Dani que nos deu em sua oficina.
São 28 páginas de puro desespero. Que recomendo.
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