Pular para o conteúdo principal

Sobre peças, artigos e teses

Eu não desmereço, no entendimento das milhares de peças que nos rondam, clássicas ou contemporâneas, do esforço dos acadêmicos. Vá lá que muitos deles são muito chatos. Isso é certo. Mas a argumentação racional, mesmo com os encômios que ajudam a esconder muitas questões, tem também sua guarida em tudo o que acontece no teatro.


Tenho encontrado diversas teses na web sobre peças contemporâneas. Às vezes eu nem tenho estas últimas e tenho em mãos as teses. Artigos também ocorrem às centenas. Pois bem. Em que medida eles contribuem para a leitura? Ainda não sei. Sei apenas que eles ampliam as questões, que às vezes nem se dão por solucionar. Ou seja, complicam.

Isso poderia falar contra eles mesmos. Mas não é o que eu vejo.

É interessante reparar em que medida aquilo que parece superficial numa primeira leitura envolve em seu entorno questões complexas que têm a ver com universos em que podemos entrar somente com certa iniciação. Não busco simplicidade. Busco profundidade.

Mas também tanta leitura atravanca. Faz com que percamos em parte a liberdade e não possamos mais abusar de certa licenciosidade. A liberdade, creio que para todos, é algo positivo. Mas e a licenciosidade? Diriam que não. Eu quero discordar. Não vejo somente como negativo que possamos usar apenas do livre arbítrio para concordar ou discordar. O mundo tem suas escolhas e não precisamos nos justificar face a tudo. Podemos simplesmente descartar por não gostarmos, e pronto. Pois então. O critério com a razão faz com que não consigamos mais descartar por simples gosto. Precisamos de algo mais.

Só ontem li três artigos sobre peças francesas e brasileiras. No caso de dois artigos portugueses, auferi no mínimo o valor epistemológico de uma peça que ainda não vi encenada mas que já me cria bastante curiosidade. No artigo sobre uma peça do Koltés e outra do Plínio Marcos, auferi bem menos - mas entendi em que medida elas têm algo a ver (Na solidão dos campos de algodão e Dois perdidos numa noite suja). Deu-me mais vontade ainda de embarcar na leitura e no entendimento.

Mas há uma outra questão que surge de tanta leitura. Com a academia, a suposta novidade de esforços contemporâneos é colocada em outra luz. Não consigo mais simplesmente concordar com colocações de amigos levantando a bola de autores jovens, por eles apadrinhados. A gente fica mais desconfiado. Não vejo tanta novidade assim. A questão é que para termos um critério nosso precisamos nos aprofundar ainda mais nas leituras e em assistir tais peças. Gosto disso.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

Diário Baldio, 7/8/2011, Tusp, BarracãoTeatro

Estréia. Platéia pela metade, o espetáculo começa com sons de rua. Aparece aos poucos Lady, o travesti criação de Gabriel Bodstein. Entramos em seu universo idealizado, de paraíso em meio ao lixo. Não sinto muita empatia. Surge Cotoco (Esio Magalhães). Um ser deformado. Só dá para ver um de seus olhos, e mesmo assim com dificuldade. Não fala, grunhe. Não mexe os braços, os desloca desajeitadamente. Não anda, escorrega com os cotos, com os joelhos. Trava-se o contato. No começo uma distância entre Lady e Cotoco. Aos poucos, Lady embarca na expressividade dos recursos do meio-animal. Que de meio-animal não tem nada. Sabe tocar flauta. Anda de skate. Mas mantém com o mundo o olhar de uma criança. Sempre algo a descobrir, o espanto, a empatia com qualquer detalhezinho do mundo. Sinto-me desfalecer ao me identificar com o ser que conquista a todos com sua inteligência, mascarada por uma aparência que faz jus contudo à sua condição de excluído. Cotoco rouba a cena. Poderia estender-me l...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...