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Senhorita Júlia (dir. Eduardo Toletino de Araújo, Grupo Tapa)

Li esta peça há alguns anos, no início dessa que iria ser uma profunda imersão em peças e livros de e sobre teatro. A história causou-me uma impressão indelével, mas a li sob um ponto de vista de classe. Jean, o criado, seria um sujeito que utilizaria sua postura histórico-social com respeito ao outro sexo para galgar degraus de classe, ou seja, para sair de seu lugar subserviente. Júlia, a senhorita do título, seria a bola da vez. Cristina, sua noiva, a trajetória natural para gente de sua classe.


Mas como não poderia deixar de ser Strindberg é algo mais que isso. Como a Gabriela Mellão disse na Folha esta quinta, Strindberg foi fruto de uma relação malfadada entre classes (no caso, a mãe, uma criada, e o pai, um aristocrata) e sua relação com o outro sexo nunca foi de certa forma bem resolvida. A peça retrata esses embates, entre classes e entre sexos.

A Gabriela destaca, na Folha, que o Edu diretor do Tapa usou a criada Cristina de forma inusitada, como um outro relevante em todo o jogo da peça. Realmente não me lembro da presença da criada na peça escrita, e realmente algumas soluções que o Edu coloca na encenação me pegaram relativamente desprevenido. É uma leitura a mais, é certo, e dificilmente a leitura mais natural. Cristina funciona como um contraponto, um terceiro vértice, na relação entre os dois que se embatem, e assume um papel importante em diversos momentos, deixando algumas pontas a serem resolvidas por nós, plateia. Ela realmente fica com a grana dela, antes deles entrarem num embate final? Ela realmente assume como moralmente inaceitável o relacionamento entre os dois? Ela serve como a voz do coro, na tragédia grega? Não sei. Uma dúvida a mais, que só quem é do ramo iria perder tempo para solucionar.

A peça é conduzida sem atropelos e a leitura do Tapa é bem tradicional. Saímos tendo visto uma peça bem encenada, com alguma novidade na encenação que lhe dá mais estofo e mais dúvida, ou seja, mais riqueza. Foi a segunda vez que vi esse ator - Augusto Zacchi, que vi pela primeira vez em A Moratória - e a primeira que vi a Júlia - Anna Cecília Junqueira - e a Cristina - Paloma Gagliasso. Gosto do resultado, mas não tanto a ponto de me ver refletindo. Saio satisfeito, mas não muito propenso a vôos outros. Talvez assista de novo, para solucionar aqui comigo alguns pontos aqui salientados. Quem sabe.

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