Os Desvãos Cioran ou Mansarda em Paris com vista para a Morte, de Matéi Visniec (É Realizações Editora)
Deparei-me com este livrinho ao passar despreocupado na Cultura do Conjunto Nacional. Ele faz parte das obras completas do autor, lançadas pela mesma editora. São 19 (ou 14, não me lembro bem) livros no total. Todos pequenos e finos (este tem 101 páginas).
Visniec é romeno e vive na França. Diz ter cruzado com Cioran duas vezes. Em uma delas, apertou sua mão. Afirma que o filósofo é, para ele, uma pessoa desconhecida, o que não o impediu de criar a peça e de ambientá-lo (ao filósofo) em meio a situações estranhas.
São 15 cenas. Todas curtas e em geral ambientadas num palco em que lá atrás passam imagens que se esfumam no ar. Cioran aparece em todas elas. Um Cioran velho com Alzheimer, na maioria das ocasiões. Mas também um Cioran jovem, com 22 anos, absolutamente desprovido de bom senso - característica que iria constituir boa parte de sua vida.
A peça não se propõe colocar Cioran a falar de si mesmo. Nem muito menos de seus escritos. O que Visniec faz é, por meio de situações (algumas absurdas), tocar aspectos da vida e obra do romeno de forma leve mas contundente. A ponto de o autor permitir-se a olhar criticamente muito daquilo que afetava Cioran enquanto pensador e, ainda mais importante, enquanto pessoa. Vemos leituras - por exemplo, com respeito às ligações do Cioran jovenzinho com o nazismo - que perpassam impressões sobre sua vida espalhadas em livros que, no mínimo, podem ser colocados sob suspeição.
Mas são raros os aspectos abordados que seguem esse tom. No geral, o que se vê são episódios - a maioria fictícios - com algo de absurdo que levantam a poeira que acabou por encobrir Cioran como pessoa em favor de conclusões sobre sua obra - a respeito da qual, aliás, não se chegou ainda a uma conclusão (terá ele sido pessimista, realmente? sua abordagem sobre o suicídio seria pessimista? as contradições a que viram suas obras sujeitas refletem um pensamento fragilizado, quase exángüe?).
No geral, pegando as 15 cenas (que não resumirei para não tirar a graça), domina um clima de saudade em meio a jardins, escritórios e o próprio quarto do Cioran, com personagens a maioria fictícios (menos Simone, que é Simone Boué, mulher dele por mais de 50 anos). O problema é que quem o conhece entende, sim, sobre o quê se fala, mas quem nunca o leu, ou soube a seu respeito, pode ficar apenas com impressões sobre um senhor de idade avançada que perde a memória.
A memória, aliás, é o mote de maior peso na peça, ao que me parece. A perda da memória, sendo mais específico.
Fico curioso com uma possível encenação. O problema de não se dedicar a navegar no pensamento do romeno pode para alguns ser secundário - afinal, teatro não é aula. Pode ser. Resta saber se irá agradar os seus leitores. Leitores esses apaixonados e deprimidos, claro - e ao mesmo tempo (como ele). O que me leva a Fitzgerald, mas aí é outra história.
Visniec é romeno e vive na França. Diz ter cruzado com Cioran duas vezes. Em uma delas, apertou sua mão. Afirma que o filósofo é, para ele, uma pessoa desconhecida, o que não o impediu de criar a peça e de ambientá-lo (ao filósofo) em meio a situações estranhas.
São 15 cenas. Todas curtas e em geral ambientadas num palco em que lá atrás passam imagens que se esfumam no ar. Cioran aparece em todas elas. Um Cioran velho com Alzheimer, na maioria das ocasiões. Mas também um Cioran jovem, com 22 anos, absolutamente desprovido de bom senso - característica que iria constituir boa parte de sua vida.
A peça não se propõe colocar Cioran a falar de si mesmo. Nem muito menos de seus escritos. O que Visniec faz é, por meio de situações (algumas absurdas), tocar aspectos da vida e obra do romeno de forma leve mas contundente. A ponto de o autor permitir-se a olhar criticamente muito daquilo que afetava Cioran enquanto pensador e, ainda mais importante, enquanto pessoa. Vemos leituras - por exemplo, com respeito às ligações do Cioran jovenzinho com o nazismo - que perpassam impressões sobre sua vida espalhadas em livros que, no mínimo, podem ser colocados sob suspeição.
Mas são raros os aspectos abordados que seguem esse tom. No geral, o que se vê são episódios - a maioria fictícios - com algo de absurdo que levantam a poeira que acabou por encobrir Cioran como pessoa em favor de conclusões sobre sua obra - a respeito da qual, aliás, não se chegou ainda a uma conclusão (terá ele sido pessimista, realmente? sua abordagem sobre o suicídio seria pessimista? as contradições a que viram suas obras sujeitas refletem um pensamento fragilizado, quase exángüe?).
No geral, pegando as 15 cenas (que não resumirei para não tirar a graça), domina um clima de saudade em meio a jardins, escritórios e o próprio quarto do Cioran, com personagens a maioria fictícios (menos Simone, que é Simone Boué, mulher dele por mais de 50 anos). O problema é que quem o conhece entende, sim, sobre o quê se fala, mas quem nunca o leu, ou soube a seu respeito, pode ficar apenas com impressões sobre um senhor de idade avançada que perde a memória.
A memória, aliás, é o mote de maior peso na peça, ao que me parece. A perda da memória, sendo mais específico.
Fico curioso com uma possível encenação. O problema de não se dedicar a navegar no pensamento do romeno pode para alguns ser secundário - afinal, teatro não é aula. Pode ser. Resta saber se irá agradar os seus leitores. Leitores esses apaixonados e deprimidos, claro - e ao mesmo tempo (como ele). O que me leva a Fitzgerald, mas aí é outra história.
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