Pular para o conteúdo principal

Canção Inacabada/ A vida e a obra de Victor Jara, de Joan Jara (Record)

Victor Jara desde sempre constituiu em minha vida uma presença estranha. Eu sempre soube que ele fora importante. Sempre soube que ele morrera torturado pelos pinochetistas. Sempre soube que suas origens populares traíam a sua postura política - muitas vezes contrária à maior parte de minha família, classe média remediada morando em bairro de classe militar - e rica (sem contar o ramo paterno de minha família, de ascendência escocesa e morando no bairro de classe média alta de Ñuñoa, em Santiago). Mas nunca me dera o trabalho de ir atrás de informações sobre ele.


Comprei o livro num sebo e digeri ele de uma vez só. Por enquanto faltam algumas poucas páginas, sendo que não sei bem por que não o concluí. Deve ter havido uma razão especial para isso.

Victor Jara foi um compositor/cantor/ator/homem de teatro/artista chileno nascido em bairro pobre que pelo próprio talento e postura ética/política galgou degraus importantes na arte do seu país e até no exterior, o que o levou a espalhar lá mesmo e além mar uma arte politicamente comprometida e de boa qualidade artística. Joan Jara, a autora, foi sua mulher, de origem inglesa.

Não me lembro o suficiente sobre a vida de Jara para poder lhes dar uma palhinha aqui - na verdade, faço este texto mais por desencargo de consciência, para não deixar passar a oportunidade. Mas desde já lhes adianto que Jara tinha bem mais em si do que os detratores faziam crer. Era um homem belo, extremamente inteligente, perspicaz e carismático que em outro país ou em outras condições poderiam valer-lhe uma fama bem maior do que a que ele ainda tem, de cantor/compositor político, tal qual uma Violeta Parra. Poucos sabem, mas sua vivência no exterior, em meio a tours de teatro, deram-lhe um matiz bem mais complexo do que esse que ainda percorre o continente. Pois nós, latino-americanos, ainda tendemos a entender que os cantores políticos não têm uma visão de conjunto, internacional, suficientemente interessante para nos determos a pensar nela. Pegue-se por exemplo a visão que Jara tinha do movimento hippie, que não irei transcrever aqui. Dá o que pensar.

Jara pensava e sempre pensou que era possível mudar seu país, torná-lo mais justo e humano. Mas como todos os que achavam que a política na Guerra Fria poderia ser resolvida pela via pacífica, pagou caro pela aparente insensatez. Foram tragados pela história, todos eles.

O mundo, claro, continuou em sua marcha, apesar deles, e acabou por dar-lhes parcela da razão. Ninguém mais se lembra dos que silenciaram (às vezes para culpá-los, na verdade). Mas no geral foram os que resistiram os que mantiveram sua marca em nós.

O livro pode ser achado baratinho na Estante Virtual (www.estantevirtual.com.br). Lê-lo serve para captar algo do aroma de minha infância, metade vivida em meio a uma das mais sangrentas ditaduras do continente. Algo que só tem paralelo com os recentes filmes sobre a ascensão e queda de Pinochet. Não é pouco.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm

(Em) Branco (de Patricia Kamis, dir. Roberto Alvim, Club Noir, 3as a 5as durante o mês de agosto)

Fui à estreia da segunda peça da leva de oito novos selecionados que o Alvim vai encenar municiado de sua leitura na noite anterior. Esperava ver algo relativamente tradicional e nutria um certo receio de déja vu. A atriz e os dois atores permanecem estáticos em quadrados iluminados por baixo. O caráter estático não se refere apenas ao corpo em contraponto com o rosto, mas também a este, mutável apenas (e repentinamente) por expressões fugazes. Os olhares permanecem fixos. O texto segue a ordem 1, 2, 3 (segundo o Alvim, emissores mas não sujeitos), que eu imaginava que iria entediar. As falas são ora fugazes ora propositalmente lentas e sua relação tem muito a ver com o tempo assumido em um e outro momento. Não irei entrar no âmago da peça. Nem irei reproduzir o que a própria autora, o dramaturgo Luciano Mazza e o próprio Alvim disseram no debate posterior a ela. Direi apenas que durante ela nossa sensibilidade é jogada de um lado a outro num contínuo aparentemente sem fim sem c