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A Nossa Gata Preta e Branca (dir. de Tiago Leal, de e com Cléo de Páris e Maria Casadevall)

Fui convidado pela Cléo há várias semanas para ver a peça que ela bolou com a Maria, que tanto arrasou em Roberto Zucco - eu comentei isso naquela época. Eu tava meio sem grana e não pude confirmar.


Esta semana ela mandou mensagem sugerindo esta sexta, mas ia haver reunião de condomínio - eu sou conselheiro - e têm acontecido muitas coisas horrendas aqui nestes prédios - eu precisava dar uma força. Mas a reunião foi bem conduzida pela síndica estreante, as coisas acabaram cedo, saí correndo e pude assistir - com ingresso amigo, pelo menos.

Confesso que ando um pouco cansado com experimentos teatrais que misturam vida e arte. Isso apesar de haver assistido e gostado ao último deles, o O Inferno na Paisagem Belga, também de Os Satyros. Eu mesmo fui e ainda sou muito afeito a misturar alhos com bugalhos, mas sinto admitir que muitas vezes os autores optam por essa saída por comodismo. Ao invés de enfrentarem a ourivesaria de se fazer uma peça com perfeição, optam por abrirem as próprias entranhas.

Mas não é isso que Cléo e Maria deixam entrever.

O palco está quase vazio - e o dos Parlapatões é relativamente grande, mesmo com as proporções dos alternativos - e elas praticamente não deixam a posição bem de frente a todos. Há um momento em que elas saem dançando, e elas surgem de cima (dos camarins, subindo a escada) e vão embora também por ali. Mas quase o tempo todo elas quebram mesmo a quarta parede.

Elas contam flashes das próprias histórias, e das histórias paralelas que fizeram com que se aproximassem uma da outra. Mas algo acontece. O roteiro e o texto não deixam transparecer uma intimidade devassada - embora seja isso mesmo que acontece. Assistimos, sim, a uma "exposição" - como eu chamo muitos dos meus próprios espetáculos, mas sem o peso que ela pode acarretar. Tudo é leve demais, singelo demais, até mesmo triste demais. As lágrimas que surgem delas - que assisti bem próximo - não escorrem uma só vez. A intimidade torna-se teatro, em suma. Nada semelhante a situações que em outros espetáculos haviam me deixado constrangido demais.

Cléo e Maria vão e vêm, trocando a oportunidade de exporem intimidades - e depois, de as intercambiarem, não deixando claramente entrever o que é de uma e de outra. Ao final, não importa muito. Importa que as intimidades, intercambiadas, deixam sopesar uma beleza inexpugnável bem superior à física, de ambas - e olha que elas são lindas. Ao final, a singeleza de tudo o que foi mostrado faz-me sentir em meio a um encontro de amigos desses que eu já conheço. Sinto-me parte delas e de todos os presentes, sem o peso de se trocar necessariamente a dor pela dor.

Antes de terminar, uma nota. Todo mundo aqui do centro acompanha a trajetória das duas atrizes. Cléo é bem conhecida de todos, e não é raro serem ouvidas críticas aqui e acolá. Pois bem, isso que poderia ser escondido pela primeira torna-se, em sua própria boca, um mea culpa interessantíssimo - que faz meu queixo cair. Inclusive o desempenho da trupe ao realizar o Vestido de Noiva, do Nélson, no Itaú Cultural - a que assisti. Ela abre o jogo e admite como tem dificuldade em chorar. E como isso é, para alguns, necessariamente o talento a que todos querem fazer jus. Mas elas troçam de tudo isso, troçam e parecem não estar nem aí.

É por aí.

Vai até semana que vem: sexta, dia 8/3, 23h59.

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