Lendo a revista chilena ciertopez, dos idos de 2005, deparei-me com uma entrevista de capa com um poeta chamado José Ángel Cuevas. Não conheço seus poemas. Nem sabia de sua existência.
A entrevista faz-me recordar o jeito santiaguino de conversar, com expressões as mais diversas, e aproximação a aspectos da ditadura que só quem acompanhou o drama sabe aquilatar. Não irei me estender quanto àquilo que o Cuevas disse, aquilo de que eu sublinhei várias coisas, mas a um aspecto em particular, que rendeu o título da capa. O Chile não existe mais.
Nasci no Chile em 1967. Vi o golpe da janela de nossa casa, a 10 quarteirões da casa do Allende, e vivi os meus próximos 3 anos sob mando dos militares. Eu ouvia os jatos amedrontando a população enquanto quebravam a barreira do som perto da cordilheira. Era obrigado a cantar com a mão em riste o hino nacional chileno toda segunda-feira. Uma vez um jato me amedrontou numa praça, dando uma rasante. Eu caí e me machuquei. Como sempre fui muito chorão, foi mais um motivo para chorar.
A frase do Cuevas me conduz a anos mais próximos, especialmente àquele ano em que o pessoal da FFLCH, na USP, resolveu fazer greve. Refiro-me aos estudantes e professores. A unidade parou. O pessoal acampou, os dias se passavam, e nada. Na época, eu fazia licenciatura em Filosofia, na faculdade de Educação. Num debate qualquer, eu disse "pessoal, a FFLCH acabou, não estão vendo? Ninguém mais vai lá, a biblioteca está aberta, mas o pessoal não aparece. O pessoal deixou de pensar. Resolveram se submeter, é isso". O pessoal que me ouviu ficou estupefato. Até hoje eu não sei muito bem o que queria dizer. Só sei que disse.
Quando o poeta afirma que o Chile não existe mais é como se se referisse a um Chile de antes da ditadura que acreditava em si mesmo, cujos valores estavam imaculados, que acreditava na democracia, no progresso e no poder da razão (lembro que o escudo chileno diz "Por la razón o la fuerza"). Com o golpe, o pessoal, todo mundo, teve que abaixar a cabeça. Agora era apenas a força e a truculência que mandavam. Nada mais.
O mesmo exemplar tem um artigo sobre o risco de extinção para a crítica naquelas paragens. Parece algo tão brasileiro. Mas há em tudo aquilo algo de nostálgico que aqui eu não consigo ver muito, não. Tirando os críticos e os estudiosos, que adoram quebrar as cabeças mas que muitas vezes não têm muito discernimento sensível, quem é que aqui sente falta dos críticos? Claro, um Guzik faz muita falta, os jornais estão cada dia mais irrelevantes, os artigos sobre peças escasseiam, e quando não são leituras bem chãs daquilo que acontece. Não me imiscuo nessa, já advirto, pois eu não critico. Apenas, quando muito, digo minhas impressões, comentários. O problema é que o artigo justamente diz que, na falta de críticas, nós nos contentamos com comentários. Tem algo a ver.
Claro que ninguém gosta, ou muito poucos, de ser um chato de galochas a indicar coisas de que não entende. Eu estou aprendendo, sempre. Mal sei como se usar iluminação, o mesmo com som, tenho conhecimentos parcos de quase tudo que diz respeito ao palco. Mas, tendo aprendido bastante nos últimos meses, não deixo de ter meus critérios. Para escrever, claro, é preciso antes de mais nada humildade. Ninguém que se põe a escrever, mesmo em blogs ou outros meios que a internet nos possibilita, pode mais se sentir isolado, como se seus escritos só atingissem a si mesmo. As pessoas procuram, e cada vez mais, e com isso nos acham. Ainda mais quando queremos ser encontrados.
O César Ribeiro, dramaturgo, me encontrou no Sesc Pompeia e me disse discordar de minha postura quanto à sua última peça (Cigarros, etc.), que eu resenhei. Mas disse respeitar. Eu lhe disse que iria reler o que escrevi - e o fiz, sem mudar contudo de opinião. Mas não é isso que aqui importa. Importa que ele me disse duas coisas relevantes, ao menos. Primeira, que com o enfraquecimento dos meios tradicionais surgiram muitos como eu que passaram também a influenciar no meio. E somando todos forma-se uma trupe até bem fornida. Outra é que eu dizer que argumento baseado no que sinto, ao invés de no que raciocino, é ainda argumentar. Ou seja, eu, que quero escapar do racional, preciso do racionar para me expressar. Se o que faço vem de outra fonte que não a razão ou erudição é importante, mas não necessariamente essencial. Ele me afetou, com suas observações. Diria que essa desconfiança com o racional tem tudo a ver com os dias de hoje, mas isso é complicado demais para sobre ele me estender aqui.
Continuo assistindo peças por aí. Para quase todas faço textos. Algumas preciso ver mais vezes - hoje mesmo tentarei repetir uma delas. Mas quero registrar o que sinto. Não ganho nada com isso, mas ao menos perpassa a todos que realmente gosto de teatro. Muito. Para mim, ao que parece basta isso. Pois não quero falar sozinho. Quero se possível estar sempre acompanhado nessa viagem que é curtir da dramaturgia alheia moderna, antiga e contemporânea.
Não disse muita coisa. Tudo bem.
A entrevista faz-me recordar o jeito santiaguino de conversar, com expressões as mais diversas, e aproximação a aspectos da ditadura que só quem acompanhou o drama sabe aquilatar. Não irei me estender quanto àquilo que o Cuevas disse, aquilo de que eu sublinhei várias coisas, mas a um aspecto em particular, que rendeu o título da capa. O Chile não existe mais.
Nasci no Chile em 1967. Vi o golpe da janela de nossa casa, a 10 quarteirões da casa do Allende, e vivi os meus próximos 3 anos sob mando dos militares. Eu ouvia os jatos amedrontando a população enquanto quebravam a barreira do som perto da cordilheira. Era obrigado a cantar com a mão em riste o hino nacional chileno toda segunda-feira. Uma vez um jato me amedrontou numa praça, dando uma rasante. Eu caí e me machuquei. Como sempre fui muito chorão, foi mais um motivo para chorar.
A frase do Cuevas me conduz a anos mais próximos, especialmente àquele ano em que o pessoal da FFLCH, na USP, resolveu fazer greve. Refiro-me aos estudantes e professores. A unidade parou. O pessoal acampou, os dias se passavam, e nada. Na época, eu fazia licenciatura em Filosofia, na faculdade de Educação. Num debate qualquer, eu disse "pessoal, a FFLCH acabou, não estão vendo? Ninguém mais vai lá, a biblioteca está aberta, mas o pessoal não aparece. O pessoal deixou de pensar. Resolveram se submeter, é isso". O pessoal que me ouviu ficou estupefato. Até hoje eu não sei muito bem o que queria dizer. Só sei que disse.
Quando o poeta afirma que o Chile não existe mais é como se se referisse a um Chile de antes da ditadura que acreditava em si mesmo, cujos valores estavam imaculados, que acreditava na democracia, no progresso e no poder da razão (lembro que o escudo chileno diz "Por la razón o la fuerza"). Com o golpe, o pessoal, todo mundo, teve que abaixar a cabeça. Agora era apenas a força e a truculência que mandavam. Nada mais.
O mesmo exemplar tem um artigo sobre o risco de extinção para a crítica naquelas paragens. Parece algo tão brasileiro. Mas há em tudo aquilo algo de nostálgico que aqui eu não consigo ver muito, não. Tirando os críticos e os estudiosos, que adoram quebrar as cabeças mas que muitas vezes não têm muito discernimento sensível, quem é que aqui sente falta dos críticos? Claro, um Guzik faz muita falta, os jornais estão cada dia mais irrelevantes, os artigos sobre peças escasseiam, e quando não são leituras bem chãs daquilo que acontece. Não me imiscuo nessa, já advirto, pois eu não critico. Apenas, quando muito, digo minhas impressões, comentários. O problema é que o artigo justamente diz que, na falta de críticas, nós nos contentamos com comentários. Tem algo a ver.
Claro que ninguém gosta, ou muito poucos, de ser um chato de galochas a indicar coisas de que não entende. Eu estou aprendendo, sempre. Mal sei como se usar iluminação, o mesmo com som, tenho conhecimentos parcos de quase tudo que diz respeito ao palco. Mas, tendo aprendido bastante nos últimos meses, não deixo de ter meus critérios. Para escrever, claro, é preciso antes de mais nada humildade. Ninguém que se põe a escrever, mesmo em blogs ou outros meios que a internet nos possibilita, pode mais se sentir isolado, como se seus escritos só atingissem a si mesmo. As pessoas procuram, e cada vez mais, e com isso nos acham. Ainda mais quando queremos ser encontrados.
O César Ribeiro, dramaturgo, me encontrou no Sesc Pompeia e me disse discordar de minha postura quanto à sua última peça (Cigarros, etc.), que eu resenhei. Mas disse respeitar. Eu lhe disse que iria reler o que escrevi - e o fiz, sem mudar contudo de opinião. Mas não é isso que aqui importa. Importa que ele me disse duas coisas relevantes, ao menos. Primeira, que com o enfraquecimento dos meios tradicionais surgiram muitos como eu que passaram também a influenciar no meio. E somando todos forma-se uma trupe até bem fornida. Outra é que eu dizer que argumento baseado no que sinto, ao invés de no que raciocino, é ainda argumentar. Ou seja, eu, que quero escapar do racional, preciso do racionar para me expressar. Se o que faço vem de outra fonte que não a razão ou erudição é importante, mas não necessariamente essencial. Ele me afetou, com suas observações. Diria que essa desconfiança com o racional tem tudo a ver com os dias de hoje, mas isso é complicado demais para sobre ele me estender aqui.
Continuo assistindo peças por aí. Para quase todas faço textos. Algumas preciso ver mais vezes - hoje mesmo tentarei repetir uma delas. Mas quero registrar o que sinto. Não ganho nada com isso, mas ao menos perpassa a todos que realmente gosto de teatro. Muito. Para mim, ao que parece basta isso. Pois não quero falar sozinho. Quero se possível estar sempre acompanhado nessa viagem que é curtir da dramaturgia alheia moderna, antiga e contemporânea.
Não disse muita coisa. Tudo bem.
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