Pular para o conteúdo principal

Mulheres (de Charles Bukovski, adaptação por Mário Bortolotto, direção de Fernanda D'Umbra)

Eu sabia que iria ser concorrido. Não imaginava o quanto. Entraram muito poucos. Fiquei no meu lugar.


Não li o livro do "velho Buk" (como os amigos do grupo e simpatizantes o chamam). Parti quase do zero.

Sabia que o Buk, após os 50 anos, começava a fazer sucesso e de seus "problemas" com mulheres. Sabia que a partir de então ele iria cair na farra. Só não imaginava o quanto, a que ponto.

A peça é uma superprodução do grupo Cemitério de Automóveis, dirigido pelo Marião. Tem papel de parede feito para a ocasião. Tem piso, carpete, tudo sob medida para ambientarmo-nos nas décadas de 60 e 70. Tá tudo lá. A trilha convida a entrar no espaço temporal de outrora, de quando o Buk saía aos poucos - ou repentinamente - do anonimato.

Elas, as mulheres, aparecem primeiro sob a figura da mulher do Buk, ciumenta de dar dó. Começam a aparecer outras, expulsas por ela. A maré começa a mudar, e elas começam a entrar. Há um momento em que elas viram uma torrente. Aparecem aos borbotões, e Chinaski, o alter-ego do Buk e interpretado pelo Marião, tenta desesperadamente dar conta da situação. A tensão faz-se presente num clima de desejo que domina o ambiente. Desejo ora delas, ora dele. As cenas (curtas) se sucedem. Os personagens vão para lá e para cá. O ato de Chinaski atender o telefone é o que mais aparece. Não se sabe o que vem por aí. Ele mostra-se apalermado. O que virá agora?, parece perguntar-se. É a fama, meu caro. A fama. Justamente ela que o Buk tanto desprezava.

Há um momento em que tudo parece se acomodar. Chinaski aparece de camiseta. Tudo assumiu um outro aspecto. É a grana. É a piscina. É a devassidão. Chinaski aparenta ter poucos amigos, e aquele que aparece surge para tirar sarro ou uma casquinha. Há o descontrole. Surge uma mulher para valer. Dedicada, preocupada. Chinaski não parece acreditar. Com ela, o sexo só virá depois. Do casamento. Inacreditável, parece. As mulheres surgem como dever a cumprir. Chinaski parece não conseguir corresponder. É o desespero, o choro. Excessos. Ao final, uma calmaria num final comovente.

Já sou figurinha carimbada lá no espaço. Amo tudo o que vejo por lá. Amo cada detalhe do que vejo, e isso me torna desde já uma pessoa suspeita. Praticamente não reparo no arrastar de uma cena após a outra (algo em que o próprio Marião tocou). Nem no tempo, que alguns me dizem muito longo. Não sei. Ninguém me perguntou, mas digo aqui neste meu espacinho que amei tudo o que vi. Tudo tão bem feito e ao mesmo tempo singelo. Uma superprodução com ares de Factotum, o filme.

Fico até tarde no teatro. Todo mundo curtindo, tendo poucos conseguido assistir. Vai até 17 de fevereiro. De quarta a sábado às 21h30. Domingo às 20h30. Ingressos com uma hora de antecedência. Mas vão mais cedo e fiquem espertos. Noite dessas, a gente se encontra novamente por lá.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm

(Em) Branco (de Patricia Kamis, dir. Roberto Alvim, Club Noir, 3as a 5as durante o mês de agosto)

Fui à estreia da segunda peça da leva de oito novos selecionados que o Alvim vai encenar municiado de sua leitura na noite anterior. Esperava ver algo relativamente tradicional e nutria um certo receio de déja vu. A atriz e os dois atores permanecem estáticos em quadrados iluminados por baixo. O caráter estático não se refere apenas ao corpo em contraponto com o rosto, mas também a este, mutável apenas (e repentinamente) por expressões fugazes. Os olhares permanecem fixos. O texto segue a ordem 1, 2, 3 (segundo o Alvim, emissores mas não sujeitos), que eu imaginava que iria entediar. As falas são ora fugazes ora propositalmente lentas e sua relação tem muito a ver com o tempo assumido em um e outro momento. Não irei entrar no âmago da peça. Nem irei reproduzir o que a própria autora, o dramaturgo Luciano Mazza e o próprio Alvim disseram no debate posterior a ela. Direi apenas que durante ela nossa sensibilidade é jogada de um lado a outro num contínuo aparentemente sem fim sem c