Pular para o conteúdo principal

Mulheres, de Charles Bukowski (adaptação de Mário Bortolotto, direção de Fernanda D'Umbra) (4a vez)

Chego novamente a assistir a peça meio que motivado pela necessidade de bater recordes. Como se não quisesse que alguém visse a peça mais do que eu mesmo.


Desta vez sento na terceira fileira. Quero ver a iluminação, prestar mais atenção nela. Não faço tanta questão de acompanhar as atuações em detalhes, ou seja, bem de perto. No começo, minha vontade funciona. Mas passa o tempo e me deixo conduzir pela trama. Esqueço de notar e de anotar. Sou engolfado pela peça, pelos personagens, pelas entrâncias e reentrâncias possibilitadas pelo jogo atuações-som-luz. O tempo me domina.

Disse o Marião à saída que ele estava mais relaxado. Não consigo senti-lo tenso em momento algum. Não devo ter tanta sensibilidade assim. O Batata e as meninas (Tuca e Samya), como sempre, arrasam na simplicidade, leveza e completo descontrole sob controle (quase, por parte das meninas).

A Erika parece mais à vontade. Aos poucos, entra mais e mais na Lydia que tanto revela quanto aporrinha Chinaski. Nota-se um histrionismo que não descamba no grito e que revela mais e mais a insegurança por detrás da barraqueira. Há momentos em que parece haver uma paz ao redor de Chinaski e de Lydia, mas esta sempre joga tudo a perder. Eles tinham mesmo de romper, não havia outra saída.

A ambientação da trama na sala-escritório de Chinaski avança leve mas segura. As luzes, como sempre, nas peças do pessoal do Cemitério, cumprem a importantíssima função em juntar e separar as ações e personagens sem que apareça o trabalho da adaptação - difícil, dada a extensão do livro. Muito deve ter sido deixado de fora. Para manter o núcleo da questão.

Reflito sobre o núcleo da questão em outro texto, que publico também aqui. Por enquanto restrinjo-me a dizer que, de tão habilmente montada, a encenação não deixa de agradar gregos e troianos. Difícil deixar de se enlevar por aquilo que aparece. Mesmo para quem já decora as falas, as luzes e as músicas. Como eu.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...

(Em) Branco (de Patricia Kamis, dir. Roberto Alvim, Club Noir, 3as a 5as durante o mês de agosto)

Fui à estreia da segunda peça da leva de oito novos selecionados que o Alvim vai encenar municiado de sua leitura na noite anterior. Esperava ver algo relativamente tradicional e nutria um certo receio de déja vu. A atriz e os dois atores permanecem estáticos em quadrados iluminados por baixo. O caráter estático não se refere apenas ao corpo em contraponto com o rosto, mas também a este, mutável apenas (e repentinamente) por expressões fugazes. Os olhares permanecem fixos. O texto segue a ordem 1, 2, 3 (segundo o Alvim, emissores mas não sujeitos), que eu imaginava que iria entediar. As falas são ora fugazes ora propositalmente lentas e sua relação tem muito a ver com o tempo assumido em um e outro momento. Não irei entrar no âmago da peça. Nem irei reproduzir o que a própria autora, o dramaturgo Luciano Mazza e o próprio Alvim disseram no debate posterior a ela. Direi apenas que durante ela nossa sensibilidade é jogada de um lado a outro num contínuo aparentemente sem fim sem c...