Pular para o conteúdo principal

Algumas linhas sobre a busca do novo, o tédio do velho e a pretensão do novidadeiro

Venho vendo uma série de peças de teatro em vários locais e auferido um certo mal-estar com o que vejo. Não sei muito bem a que esse mal-estar se refere, por isso decidi traçar algumas linhas tentando entender um pouco mais a respeito.


Dou nomes aos bois. Vi Fatia de Guerra, de Andrew Knoll, dirigido por Roberto Alvim, na Mostra de Dramaturgia Contemporânea da Cia. Club Noir. Vi também Concílio da Destruição, da Cia. Les Commediens Tropicales, de Campinas. Vi também Retratos Falantes / Elas, no Repertório de Verão do Grupo Tapa, lá no teatro Viga da Sônia Soares (muita saudade). E vi também, duas vezes, Mulheres, de Charles Bukowski, em adaptação do Mário Bortolotto do Grupo Cemitério de Automóveis. Isso nos últimos dias, apenas.

Vejam bem o título deste meu texto. A busca do novo. Alvim busca o novo. Para isso, faz uso de seu Dramáticas do Transumano, o livro, de que eu já falei. Há muito de seriedade e generosidade nessa busca por, como ele próprio diz, "novos mundos possíveis". Mas assisti a peça na estreia e me senti um palerma. Não que eu diga não haver entendido nada. Até saquei, e para isso a palestra do Ruy Filho, no bate-papo posterior, foi uma confirmação. Mas no geral me senti a ver navios, deixando o barco passar sem saber o que retirar a respeito. Não consegui relaxar. Havia como que a necessidade da confirmação. Será que o teatro é para isso mesmo? Desafiador, é, sim, mas também algo desumano. Se por um lado não quero as já tradicionais fórmulas do realismo ou dos que pretendem implodi-lo, por outro reluto em achar que nosso papel seja necessariamente esse de romper fronteiras. Sei lá, andamos tão sozinhos nessa tarefa. Quem sabe eu queira é mais companhia.

O Concílio da Destruição, sobre o qual discutirei com a Renata Admiral para a Antro Positivo, do Ruy Filho e da Pati Cividanes, leva-me em outra direção. O formato heterodoxo da montagem, combinado com o inusitado da proposta, faz-me entrar em discussões, sempre engraçadas, sobre arte, sobre o excesso da arte. Interessante, mas ao mesmo tempo tão desgastante... Cansado de tanto pensar, embarco nos Retratos Falantes / Elas do Grupo Tapa, do Edu Tolentino de Araújo. Monólogos sobre os quais eu já sabia alguma coisa. O autor é inglês, parece, e embarco rumo á identificação com personagens femininas marcantes. Novamente sinto-me deslocado. Não consigo entrar na pele, nem na minha mesma, e relaxar ao admirar a Bárbara Paz e a Clara Carvalho dando vida a personagens tão deslocadas da vida. O formato também me dá certo tédio. O tédio do monólogo, não necessariamente de fácil digestão, mas de fácil enquadramento.

Termino com Mulheres, do Bukowski, defendido pelo Marião. Agora, sim, algo com que me identificar. A putaria que virou a vida daquele sujeito, tão maltratado antes dos 50. Assisto a peça duas vezes. Admiro a garra de todos, o talento indiscutível da entrega do pessoal do Cemitério, mas também me sinto meio que esvaziado. O tema, que atrai, descansa num elencar de cenas, todas tão atraentes, mas por algum motivo sinto-me fora do mundo. A vida é um contínuo desfraldar de momentos, apenas, sei disso muito bem. Mas não consigo sair dessa impressão ao assistir a peça.

Em suma, o novo me constrange. As montagens com propostas cansam pelo inusitado de se imaginar o inimaginável. Montagens quadradinhas de monólogos recaem, em mim, num "e daí?" que sinceramente me irrita. E por último o realismo de encenar a vida pregressa de um de nossos heróis me cansa pela contínua repetição da vida como ela é.

Reclamo de barriga cheia, eu sei. Tanto eu vejo, de tanto consigo participar, tanto eu consigo comentar, com meu blog bombando como nunca. Mas, sei lá, falta algo. Não sei o que é. Nem sei se é novo, se é atual ou mesmo se é tradicional. Sinto um grande vazio. Quero mais e não sei aonde me dirigir para encontrar. Ou será que quero sair da plateia, afinal? Não sei. Espero responder algo este sábado, 26, em meu monólogo Fugindo, no Festival na Cidade (minha apresentação, uma intervenção, será na Medeiros de Albuquerque, 55, Vila Madalena). Querendo encontrar algo novo que seja em algo que eu mesmo tento há tanto tempo sentir direito. Sei lá. É desse jeito que nos cabe tentar. Sempre mais e mais.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm

(Em) Branco (de Patricia Kamis, dir. Roberto Alvim, Club Noir, 3as a 5as durante o mês de agosto)

Fui à estreia da segunda peça da leva de oito novos selecionados que o Alvim vai encenar municiado de sua leitura na noite anterior. Esperava ver algo relativamente tradicional e nutria um certo receio de déja vu. A atriz e os dois atores permanecem estáticos em quadrados iluminados por baixo. O caráter estático não se refere apenas ao corpo em contraponto com o rosto, mas também a este, mutável apenas (e repentinamente) por expressões fugazes. Os olhares permanecem fixos. O texto segue a ordem 1, 2, 3 (segundo o Alvim, emissores mas não sujeitos), que eu imaginava que iria entediar. As falas são ora fugazes ora propositalmente lentas e sua relação tem muito a ver com o tempo assumido em um e outro momento. Não irei entrar no âmago da peça. Nem irei reproduzir o que a própria autora, o dramaturgo Luciano Mazza e o próprio Alvim disseram no debate posterior a ela. Direi apenas que durante ela nossa sensibilidade é jogada de um lado a outro num contínuo aparentemente sem fim sem c