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Crítica de teatro: e aí? Precisamos dela? Alguém liga?

Encontrei o Roberto, um professor de comunicação que também faz frilas de jornalismo, lá no Terraço, que é onde o almoço é mais barato e decente, perto do trampo. Ele me pergunta quanto à minha apresentação, no último sábado. Digo como foi (fui bem) e nos metemos a falar sobre filosofia, jornalismo e teatro. Concluímos, como com o César Ribeiro, dia destes, à espera de mais peça, que agora os tempos são outros. Os jornais permanecem, sim, no panorama, mas as novas tecnologias têm dado espaço para outros, muitos outros, alguns diletantes, outros que ainda pretendem trilhar caminhos mais sérios na seara do teatro e dos cadernos culturais. Chegamos a falar algo de Adorno, Marx e quejandos.


Eu não faço crítica. Assisto tantas peças quanto posso e comento o que quero nos espaços que arrumei para mim mesmo. Divulgo o que faço pelo face, twitter e coisas assim. Mas não nego: aprecio viagens mais profundas no assunto, viagens com referências e pretensões - nada arrogantes - a passos mais amplos nisso que lá fora e aqui mesmo todos entendem por crítica. Todos? Não sei. Também colaboro na Antro Positivo, revista virtual que o grande Ruy Filho "toca" com a esposa Patrícia Cividanes e com a qual discute o teatro atual e os rumos que vem tomando, dia após dia. Na revista, eu participo de bate-papos com atrizes, resenhistas, críticas, etc. e tal. Papos sem pretensão mas que visam vislumbrar caminhos explorados, inexplorados ou a explorar em visões de ver o que todos nós amamos: as peças de teatro. Minha atividade não para por aí, mas aí são outros quinhentos. Não estou aqui para falar de mim, mas do tema acima. A crítica de teatro.

Javier Icabache disserta sobre a atualidade da crítica de teatro naquela revista ciertopez, chilena, sobre o que já abordei alguma coisa em artigo anterior: "O Chile não existe mais" e a função da crítica. Agora tentarei me aprofundar algo mais. Pois este blog já não é de comentários, mas de crítica. Vejamos se vai vingar.

Icabache elenca, em seu "Crítica de teatro en Chile: Um ofício en riesgo de extinción", diversos pontos que lá no Chile há em comum conosco, aqui do outro lado do continente. A marginalização do ofício nos jornais e revistas. O perene questionamento quanto à sua prática por todo mundo: atores, dramaturgos, diretores, etc. Etc.

Icabache parte de um ponto a respeito do qual eu tenho minhas desconfianças: que, ao contrário de em países mais avançados, aqui (lá) a crítica não tem o poder de "incidir en el triunfo o el revés comercial de una producción". Digo aqui comigo: ainda bem, né? Não consigo imaginar o nosso teatro dependente do aval de quem quer que seja. Claro, há os críticos (homens/mulheres) cuja opinião é considerada relevante no meio. Mas longe de acharmos ou mesmo constatarmos alguma influência - da parte deles - no sucesso do que quer que seja. Há, claro, quem possa creditar mais ou menos público em função de um ou outro comentário crítico, mas creio que aqui isso é relativamente marginal (podem discordar de mim, claro, citando exemplos e mais exemplos que desconheço. mea culpa). Afinal, se fosse pela crítica nem existiria aquele teatro caça-níqueis apoiado em chavões e mais chavões que LOTA salas de teatros mais comerciais.

Mas em seguida Icabache pega pesado: os comentários ou colunas da imprensa servem, quando muito, para reforçarem a propaganda, reforçar o currículo de um ou outro envolvido ou respaldar a intenção de um ou outro a ganhar uma verba de fomento. E não é? Pode ser, afinal espaços na mídia são considerados, como qualquer envolvido em teatro sabe, a tal mídia espontânea, que assume um valor bem concreto por quem quer recursos públicos ou privados de qualquer tipo.

A argumentação a seguir envolve aquilo que acontece de fato: a expectativa de que a cena teatral acolha espetáculos que entretenham o público (meramente para passar o tempo ou ver algum ator ou atriz global) ou que sirva para montagens clássicas. Em ambos os casos, Icabache entende que se defenda uma concepção comercial e inofensiva do teatro, tal qual acontece com o cinema ou música de massas, em que a crítica tende a ser apenas descritiva, anedótica e decorativa. Não é difícil identificar nessa visão os costumeiros guias que encontramos às entradas das salas de teatro ou mesmo os guias de fim de semana, que quando muito qualificam os espetáculos em função da atratividade de suas fichas técnicas ou de suas propostas. Nada muito profundo, é claro.

Icabache distingue esse panorama do da cena experimental, em que a crítica opera ao contrário do que faz no teatro comercial, dado que se vê diante de uma grande variedade de propostas "estéticas y generacionales" (estéticas e de gerações). Nesse outro panorama, a crítica faz uso de uma análise de toda a "caligrafía teatral", como denomina, eludindo a complacência, e do trabalho com materiais, signos ou símbolos ao invés de apenas com a posta em cena de textos teatrais. Neste caso, a crítica "tiende a plantearse como una guía que desentraña significados, levanta posibles lecturas o pesquisa nuevas corrientes", tendendo à análise e não mais ao ditame do bom ou do ruim.

Aqui façamos uma pausa. O crítico chileno distingue claramente, então, três tipos de teatro: o comercial, o clássico e o experimental. Destes, o autor compara o primeiro e o último, indicando que neste último a crítica realmente funciona e não simplesmente qualifica em bom ou ruim. Tudo bem. Ocorre que o especialista está sujeito a todo tipo de peça. Como fazer com montagens milionárias em que o único objetivo é entreter? Limitar-se à eficiente posta em cena? Na realidade, os críticos passam batido desses espetáculos. Nesses casos, é o jornalismo que ocupa o seu lugar. Refiro-me ao jornalismo de variedades ou de cultura, em que vemos, vez ou outra, certas peças de elencos e produções milionárias ocuparem as manchetes dos cadernos. Nesses casos, o crítico é inútil, como se tentássemos usar um canhão para matar uma mosca. Nem vale a pena. Já no caso das encenações experimentais, a crítica parece encontrar o seu lugar.

Sabemos contudo como opera o panorama teatral de forma geral, em que as gestões municipais, estaduais e federais sustentam propostas com base em editais, ou em que empresas alcançam incentivos nos casos em que apoiam peças cujas propostas lhes agradam. Aos grupos independentes resta os espaços alternativos e as fontes alternativas de receitas. Não é detalhe que muitas das melhores propostas teatrais estão nestes casos. E aqui, qual seria a utilidade da crítica? Aparentemente, a de revelar propostas interessantes. Pois então, em que espaços, dado que nos jornais e revistas os destaques são sempre ora as superproduções ou produções de grupos com propostas e trabalhos garantidos? Caberia ao crítico utilizar os critérios que domina para julgar e revelar aquilo que de mais relevante existe ou começa a surgir? Aparentemente, sim. Mas os jornais e revistas parecem não ter espaço ou mesmo interesse para isso. Aí é que na minha visão surgem os comentaristas de outros meios. Não é necessário nenhum jornal ou revista ou outro meio para dar vazão às iniciativas de profissionais que, pelo único amor à arte, acompanham o que está sendo produzido aqui e acolá. Nesses casos, vemos que o espaço acaba em geral sendo ocupado por diletantes ou profissionais não admitidos nos meios tradicionais. Será isso bom? Não dá para saber. Mas uma coisa é certa: como são os diletantes que atingem encenações alternativas, são eles que se tornam a mídia nesses casos. E não se pode dizer que essa mídia, nesse caso, seja alternativa. Não, ela é a única. Algo que antes não era coberto por ninguém agora tem quem nele se especialize ou que acabe cobrindo. Claro que aqui cabe lembrar que, em países como os Estados Unidos, esse dilema já foi há muito enfrentado, existindo críticos broadway, off-broadway e off-off-broadway, cada um com seu espaço. Dizem que esse panorama está em crise lá naquelas bandas. Não sei. Mas aqui, salvo casos isolados, isso parece não existir. Existem os jornais e revistas e os outros. Ponto.

Voltando ao texto de Icabache. Alguns parágrafos adiante ele se questiona: para quem escreveria o crítico? Para espectadores interessados em decifrar o simbolismo de uma montagem ou simplesmente para aquele que se insere enquanto consumidor, esperando orientação na hora de comprar um ingresso? É neste dilema, creio eu, está a antipatia que o crítico exerce para a maioria dos grupos. "Como ele pode se autoclassificar capacitado para decifrar simbolismos que requerem uma imersão profunda na proposta do grupo? Como ele pode dizer se vale ou não a pena assistir tal peça?" Há quem defenda que cada espectador, por mais erudito que seja, tem apenas sua opinião, e que ela não necessariamente vale mais do que a de ninguém. Daí que, primeiro, ninguém pode se entronizar de juiz do que vê e que portanto não pode se meter a qualificar algo de necessariamente bom ou ruim. Tudo bem. Note-se que aqui vemos o tempo todo presente a figura do espectador médio, como se fosse ele o objeto de atenção para o crítico.

Para Icabache, haveria, no caso do crítico, um dilema a que é normalmente sujeito, qual seja, o de que ele dificilmente pode satisfazer um critério - o de análise - sem sacrificar outro - o de sugerir ou não determinado espetáculo. Ou seja, não dá para ser crítico se a questão é apenas a de sugerir ver ou não. Para ele, é por causa desse dilema que a crítica, mesmo quando no íntimo gostaria de filiar-se a um new criticism, nouvelle critique, estruturalismo ou formalismo, acaba se tornando um comentário impressionista em que as ideias aparecem de forma anedótica e em que o julgamento se dá com base em pontos ou classificações formais (estrelinhas, etc.). Nesses casos, ir além parece demais. É nesse momento que Icabache brinca: "é o drama que o inglês Michael Billington - decado da crítica teatral no The Guardian - equipara com a frustração do eunuco em um harém: conhece bem as técnicas daquilo que vê, mas não pode falar nem tomar parte disso". É assim que a crítica enfrentaria a diversidade de propostas à disposição do mercado. O resultado disso seria o testemunho historiográfico à disposição do especialista. Pouco, não? Para Icabache, em poucas palavras (em seguida, ele se estende num panorama impressionista da situação histórica proposta ao critico), tirando isso, é o combate puro e simples. Um trabalho artesanal próximo à extinção.

Pode ser.

De minha parte, gostaria de acrescentar mais um pequeno aspecto. Há uns 7 anos, visitei a Alemanha. Não domino bem o alemão, mas pude me surpreender com a abrangência e profissionalismo da cena crítica artística daquelas paragens. Claro, lá o nível educacional comporta esse tipo de imprensa. Aqui, em que as "grandes reformas" dos jornais pouco mais são o aumento da fonte, o uso de novas fontes e o uso de infográficos e coisa que o valha, nem vale a pena perder tempo vislumbrando algo desse tipo. Mas é aí que a porca torce o rabo. Por que é que os jornais não dispõem de espaço, nem que seja na web, para artigos críticos mais alentados? Ok, esses materiais não interessam. Tudo bem, quase ninguém os lê mesmo. Mas é aí que caberia um pouco a audácia dos publishers. Sem investir em elevar o patamar daquilo que se oferece não se pode pretender que o leitor consiga mesmo escalar degraus críticos em toda sua complexidade. Mas isso eu sei que é lutar contra moinhos de vento. Moral da história: resta aos outsiders tentar cumprir, às próprias custas, com a tarefa que tanto valorizam.

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