Pular para o conteúdo principal

Strangenos (Teatro Labirinto, ator Daniel Alberti)

Um palco vazio sempre oferece inúmeras possibilidades e não é preciso entender de Grotowski para chegar a essa conclusão. Daniel Alberti, do Teatro Labirinto, prefere explorar o trabalho de interpretação para atribuir sentidos a histórias de imigrantes.


O espetáculo começa com ruídos que não se sabe se imitam ou se não querem mesmo imitar. Em seguida, num trabalho de mímica, Daniel como que manipula arquivos. Num repente, transforma-se numa espécie de sem-teto estrangeiro com alucinações com as quais introduz espectadores (eu, no caso). O sem-teto imigrante desespera-se não se sabe bem com o quê. Aparece outro personagem e mais outro e mais outro. Cada um com trejeitos peculiares. A luz funciona como intervalo, como atribuição de movimento e urgência (com luz estroboscópica), limitação de espaço (cena de telefonema), etc. Num determinado momento, Daniel imita uma partida em que os movimentos referem-se a entradas e saídas de imigrantes. Chama os espectadores que comemoram um gol e que logo em seguida dançam. Ponto forte é quando Daniel imita, como que falando em árabe (não sei se foi mesmo árabe ou uma língua inventada), que tenta se comunicar com um interlocutor. Com o passar do tempo, o imigrante se desespera e passa a apontar uma arma enquanto grita. Chega até a apontar a uma espectadora. A cena adquire seu significado quando Daniel mostra o significado das palavras do imigrante, totalmente descoladas do sentido ameaçador da primeira apresentação. O espetáculo termina com Daniel imitando uma velhinha italiana, pedindo a ajuda de um mocinho e cantando uma música antiga (que é apresentada ao final).

Daniel dispõe-se a uma conversa no final da apresentação, para a qual muitos permanecem. Vêm à tona sentimentos das pessoas presentes e sugestões para novas apresentações.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...

29/7 (a partir de 28) - Teatro e artes

Ontem, ao ouvir o Gerald, quanto a como coloca a musica (depois), e depois ainda, ao ver uma musica passando pela partitura (e me deixando uma impressao de impossibilidade de traducao em algo mais), percebi que a arte finalmente havia voltado a assumir um lugar inextrincavel em mim. Finalmente percebi novamente que ela existia em mim para algo alem da minha vida, e percebi tambem que qualquer motivacao extemporanea (tipo celebridade, valor em si, razao) para ela era, alem de inutil, irrelevante. Percebi isso e na hora me libertei de coisas ao meu redor imensas, que me faziam sentir amargurado por um peso muito grande. Como se eu DEVESSE atribuir algo aa minha vida por me sentir pequeno demais para tudo o que investi nela. Isso fez com que eu tambem entendesse que, quando QUALQUER COISA for bem feita, ja EE arte em si, e por isso mesmo entendi o valor da edicao no cinema, da atuacao, da luz e tudo mais. Tudo adquiriu de repente um valor maior, para alem da vida inclusive.