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sobre escrever sobre teatro

confesso a vocês que não sei por que escrevo sobre teatro.


não sou especialista. não tenho formação na área. leio muito, mas por causa disso mesmo sei das minhas limitações. não quero me meter a dar uma de crítico por valorizar o suficiente a função. por isso só faço comentários. nos blogs eu escrevo comentários.

também faço entrevistas com atores, escrevo sobre temas relacionados ao trabalho de palco e ajudo colegas com críticas a quatro mãos, em que levantamos temas interessantes. por colegas refiro-me especialmente ao ruy filho, com sua revista antro positivo.

mas o pessoal do teatro assume uma postura ambígua com quem escreve.

a escrita atribui um certo poder a quem escreve. alguns atores e diretores passam a te olhar de outra forma. é sutil a diferença, mas existe. outros colegas do teatro se sentem lisonjeados em conversar com você - ou em ler os teus textos. outros odeiam com todas as forças aqueles que se propõem escrever sobre teatro sem terem formação na área - ou mesmo quando têm, quando expressam opiniões desleixadas.

eu pretendo preencher um vazio.

são muitas as peças em cartaz. mas relativamente poucas as que saem nos jornais, revistinhas, sites e blogs. normalmente as mesmas.

os textos sobre as peças, então, costumam se dirigir mais a quem faz a peça do que realmente ao leitor. este muitas vezes fica sem saber o que achar de textos que entram em detalhes que não interessam ao leigo.

então há muito o que fazer.

eu me disponho a assistir pelo menos três peças por fim de semana. escolho peças baratas, que não estou bem de bolso. mas escolho com certo cuidado. sinceramente não quero me decepcionar. não quero me sentir mal assistindo peças por aí, mal a ponto de ter de sair.

mas ao escrever preciso tomar mais um cuidado. é já um ato quase heróico dedicar-se ao teatro num país loteado como o Brasil. quase jogar-se num precipício. é preciso acreditar muito para entrar nessa. por isso cumpre que o texto não seja destruidor, salvo casos extremos. cumpre admirar a intenção e a concretização, com a ênfase devida aos meios que tornaram o espetáculo concretizado.

o alvim (roberto alvim, do noir) fica possesso ao notar que o leigo muitas vezes se presta a opinar aqui e acolá sem ter formação na área. "ninguém se mete a opinar no ofício de um engenheiro ou de um médico, por exemplo", diz. eu concordo. é preciso formar-se e adestrar-se para entrar no meio teatral. não dá para chegar de pára-quedas e tentar se impor falando bobagens.

a minha vantagem é que vez ou outra falo bobagens mas para amigos, que na hora certa acabam me corrigindo. isso me impede de falar "aquelas" bobagens (que eu disse a eles) em uma fala ou texto escrito.

agora, por que insisto em falar? não sei. a opinião do marião a respeito é clara: para ele, a sua opinião (dele) não é necessariamente melhor ou pior do que qualquer outra. por isso ele geralmente se omite de falar. já quando pedem, ele fala e espera que o outro não reclame pelo menos, caso fale algo desabonador.

infelizmente eu sou um cara aceso demais para me calar. preciso falar. preciso mesmo.

seja como for, escrevo com boa fé. se essa boa fé será recompensada, isso são outros quinhentos, não é mesmo? além do que nem sei se quero isso mesmo.

enquanto isso, oficinas e mais oficinas para entender mais e mais e, na medida do possível, tornar o teatro realidade em minha vida, em meu corpo, em minha alma.

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