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Il Viaggio

O universo felliniano presta-se, pela sua própria riqueza, às mais diversas encenações. Ora sob um viés farsesco, ora cômico, ora simplesmente escrachado, a obra de Fellini, quase como nenhuma outra, permite apropriações que mesmo fugindo da trama e dos temas fellinianos conseguem tocá-la - e não tão de leve. Il Viaggio é uma viagem desconcertante na qual um passageiro em especial (Ésio Magalhães) vê-se às voltas com a queda do seu avião numa praça de uma cidade italiana e cujo destino é cada vez mais incerto. Ora porque não consegue contato com a esposa, ora porque não sabe se terá tempo de chegar ao concerto no qual ele é músico, ora porque suas convicções do real e do imaginário mostram-se a todo momento mais embaralhadas, o personagem de Magalhães é um mero fantoche do destino, traçado por personagens arquetípicos - esses, sim, ligados ao mundo de Fellini.


Ágil, a peça transcorre em meio a estruturas metálicas que servem de suporte a diversas cenas e que imitam objetos ou estruturas para lhes dar maior verossimilhança. Hotéis, aeronaves, residências, seja lá o que for, as estruturas emulam tudo e os atores gravitam à sua volta, assumindo diversas formas e caracteres - exceto o personagem principal, sempre perdido entre realidades, sensações e memórias. Num certo momento, ocorre um embate direto com a platéia, em que espectadores "entram" numa premiação - e em que é construída, no palco, a estrutura final. A peça termina num lirismo comovente, não sem antes ficar bem clara a homenagem ao diretor italiano, sendo passados trechos representativos de seus filmes. O clima do final da peça abre caminho a incontáveis e saudosas rememorações. O mote Fellini torna-se o mundo - que foi levemente destacado pela companhia.

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