Pular para o conteúdo principal

Procurado (texto: Diego Fortes; direção: Juliana Galdino)

Quem me lê sabe o quanto aprecio as leituras que o Alvim e a Galdino fazem do teatro em geral, e dos clássicos em particular. Estou inclusive pleiteando fazer um curso com eles, de interpretação. Tudo bem.


Isso poderia me tornar cego a episódios não tão abonadores em autoria e/ou direção. Mas não é assim.

Tenho comprado e assistido todas as peças do ciclo Dramáticas do Transumano. Todas mais de uma vez. Mas Procurados é exceção.

Não sei se é por causa do estilo dos últimos textos da mostra do Club Noir, ou se de um certo cansaço das soluções encontradas pela companhia para encenar os trabalhos da mostra. Ocorre porém que desta vez não gostei. O Alvim dirá e daí? Daí nada. Simplesmente aqui eu parei.

Por duas principais razões.

Primeira. O texto. Ando cansado de ver espetáculos experimentais em que o texto é povoado de livres associações. É aquele negócio: ou as jogadas textuais nos levam longe (e quando acontece é bem legal) ou simplesmente parecem pretensão. Neste caso, no de Procurado, os recursos soam por demais pretenciosos. Seja nos monólogos dos personagens, seja nos diálogos travados entre eles, seja em suas aparições. Perco-me em tentar realizar conexões que parecem gratuitas. Não me levam a lugar algum, o fato é esse. Cruzo os braços. Cruzo as pernas. Não acredito no que ouço.

Segunda. A encenação. Tudo começa com uma trilha que leva a um meio-oeste selvagem. Apelar para Morricone parece-me banal demais. Os jogos de luzes entre os personagens são interessantes, sim, mas não me animam a refletir em nada mais a não ser sua respectiva relação, e ela não me leva a nada. De repente, aparecem um chef japonês e seu assistente. Fazendo gracinhas que não me soam nada engraçadas. Pretensão? Não sei. Não crio conexão, nem me motivo a criar. Tudo chapado demais. Tudo por demais superficial.

O Alvim ensina que o público muitas vezes se entroniza em juiz de coisas que não entende. Você se meteria a julgar a obra de um engenheiro? Não? Então, por que se meter a julgar teatro somente com base no "gostei" ou "não gostei"? Eu concordo. É preciso estudar. Venho tentando ir nessa direção. Mas minha sensibilidade tende também a ficar amarrotada com esse esforço, e não quero isso, não.

Aqui em Procurados eu me dirijo em outra direção. Não consigo me motivar a gostar do que vejo. Resta a sensação de que a pretensão começa a me afastar de rumos que eu apenas julgava conhecer ou sentir, quem sabe.

Claro que, pensando menos idiossincraticamente, a peça abre espaços à compreensão. Quem é o outro? Quem é o nosso "outro"? Ele existe ou é uma ficção? Ele existe realmente para nós? Há um outro a decifrar? Qual o seu status, ontologicamente falando? Claro, há aqui algo a dizer. E não é pouco.

Claro também que para o desavisado a peça não pode ser contudo tão espinafrada assim. É um espetáculo plasticamente bonito que deixa lacunas a preencher e que pode atrair quem gosta de enigmas a tentar decifrar. Mas para mim contudo resulta um exagero.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...

(Em) Branco (de Patricia Kamis, dir. Roberto Alvim, Club Noir, 3as a 5as durante o mês de agosto)

Fui à estreia da segunda peça da leva de oito novos selecionados que o Alvim vai encenar municiado de sua leitura na noite anterior. Esperava ver algo relativamente tradicional e nutria um certo receio de déja vu. A atriz e os dois atores permanecem estáticos em quadrados iluminados por baixo. O caráter estático não se refere apenas ao corpo em contraponto com o rosto, mas também a este, mutável apenas (e repentinamente) por expressões fugazes. Os olhares permanecem fixos. O texto segue a ordem 1, 2, 3 (segundo o Alvim, emissores mas não sujeitos), que eu imaginava que iria entediar. As falas são ora fugazes ora propositalmente lentas e sua relação tem muito a ver com o tempo assumido em um e outro momento. Não irei entrar no âmago da peça. Nem irei reproduzir o que a própria autora, o dramaturgo Luciano Mazza e o próprio Alvim disseram no debate posterior a ela. Direi apenas que durante ela nossa sensibilidade é jogada de um lado a outro num contínuo aparentemente sem fim sem c...