Pular para o conteúdo principal

A Oficina e muitas emoções

Não é segredo que meu conhecimento do teatro deve-se mais a minha dedicação que ao meu treinamento ou mesmo talento - se é que tenho. Mas aprendo como uma esponja e agora vislumbro caminhos para o futuro e para o Contrera, meu personagem.
Fiz a Oficina da Lulu Pavarin preocupado. Eu sinceramente não sabia se ia ficar. Estava muito mal de grana e não havia muitas perspectivas. Na verdade, não havia nenhuma.
A cena da primeira aula foi como eu gostava - nada romântica, bem agressiva e dolorosa, ou seja, adorei. Entrei como quem vai ser correspondente de guerra, pronto para tudo.
Seria uma injustiça e uma impossibilidade eu tentar colocar aqui tudo que vivenciei, todas as pessoas maravilhosas com que convivi, todos os momentos para o bem e para o mal, todos os ensaios em lugares inusitados, todas as carcadas quanto a desempenho dentro e fora do palco (mas ainda dentro da oficina) - sempre certeiras -, todas as noites nos Parlapatões, todas as caronas que dei e as noites de dança na Kitsch. Muita coisa. Dificilmente eu poderia ter escolhido melhor forma de me enfronhar no teatro e de criar laços com gente de primeiro nível. Em suma, amei como nunca antes. Tanto que já estou com saudades.
Mas o meu jeito foi o tempo todo contido. Não me soltei. Preferi me castrar a criar confusão ou a dizer o que sentia do que acontecia. Só numa reunião do grupo eu realmente me soltei. Disse algo sobre meu comportamento e meus objetivos e minha insistência em jamais desistir.
A quem não sabe, começamos como Oficina e terminamos como Peça. Que foi apresentada às 2h da matina do dia 3/11 nos Parlapatões (que estava repleto). Para muitos, foi a primeira oportunidade de palco. Eu já havia pisado nele algumas vezes e não estava nem um pouco nervoso. Mas foi um acontecimento. Riram de gargalhar da cena da Letícia comigo e de muitas outras. Foi uma curtição desmedida. Tinha gente da pesada e nem tão da pesada. Para alguns de nós, foi muito importante. Para outros, não tanto. Para mim, foi sensacional.
Mas estou neste afã como servidor, como funcionário. Alguns acham que eu cedo ao me metar a ajudar a arrumar, ou a cuidar das chaves do local, ou a sei lá, limpar o piso do palco com o roldão. Nada. Eu sou um servidor. Faço peças (escrevo), sim; produzo minhas pequenas peças, sim; bolo trilha sonora e me viro com parca iluminação, também; atuo como posso (ainda me considero extremamente limitado), também. Mas acima de tudo sou um servidor. Meu ideal está no palco. E nesse sentido aprendi tanto com a oficina que fica até difícil mensurar. A mim não me importa que me destruam no palco - digo, que me critiquem de forma agressiva, só não se pode misturar os âmbitos. Meu personagem e eu no palco são uma coisa; eu, como pessoa, outra. Mas tudo bem. Eu dificilmente me meto em discussões porque sei que isso não leva a nada, NUNCA. Encaro a vida de um ponto de vista distante, do dia em que iremos morrer. Vale a pena se matar por isso? Quase nunca. Mas tô falando do que é secundário.
Passei meu aniversário com o pessoal nos Parlapatões. Bebemos de um Jack - algo que eu não fazia por medo de cair na fraqueza que matou o meu pai. Mas bebi, não caí em fraqueza nenhuma, foi legal, cada um na sua - é isso o que eu mais aprecio, essa sensação de alegria contagiante de grupos mutantes que nunca formam panelinhas e em que qualquer um pode entrar, amigos que vieram conversar, uma noite varada na boa. Amei. Não me engano, claro. Tudo é sempre muito fugaz. A intimidade de dividir a coxia e o palco não é a mesma que a intimidade pessoal. O tempo dirá quem se mantém unido no afã da oficina e quem decidirá trilhar outros caminhos. Mas eu, como disse na mensagem a todas e todos os que conviveram juntos por 5 meses intensos, estou aqui pronto para outra. Tentarei entrar em algum grupo ou formar o meu. Embarcarei, agora um pouco mais maduro, no teatro de todas as formas possíveis. Mas agora sabendo o quanto ainda há a trilhar para pisar o palco com maturidade novamente.
Este texto ficou meio formal, algo que eu não queria. Mas vai entender. Queria tanto tirar umas lágrimas no fim, mas infelizmente não deu. Quem sabe dia desses eu me meta a embarcar nessa. Por enquanto, eu acho que não embarco por medo de me esvair numa emoção descontrolada. Pois amei tanto que vcs nem imaginam.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...

29/7 (a partir de 28) - Teatro e artes

Ontem, ao ouvir o Gerald, quanto a como coloca a musica (depois), e depois ainda, ao ver uma musica passando pela partitura (e me deixando uma impressao de impossibilidade de traducao em algo mais), percebi que a arte finalmente havia voltado a assumir um lugar inextrincavel em mim. Finalmente percebi novamente que ela existia em mim para algo alem da minha vida, e percebi tambem que qualquer motivacao extemporanea (tipo celebridade, valor em si, razao) para ela era, alem de inutil, irrelevante. Percebi isso e na hora me libertei de coisas ao meu redor imensas, que me faziam sentir amargurado por um peso muito grande. Como se eu DEVESSE atribuir algo aa minha vida por me sentir pequeno demais para tudo o que investi nela. Isso fez com que eu tambem entendesse que, quando QUALQUER COISA for bem feita, ja EE arte em si, e por isso mesmo entendi o valor da edicao no cinema, da atuacao, da luz e tudo mais. Tudo adquiriu de repente um valor maior, para alem da vida inclusive.