Pular para o conteúdo principal

Nadando contra o vento


Ontem fui ao velório do Paulo de Tharso. Não era amigo dele, mas sou solidário aos seus amigos, alguns dos quais meus amigos e conhecidos, e ao longe apreciava tudo aquilo que ele era e representava.
Antes desse, o último velório ao qual fui foi o do cineasta e cinéfilo Carlos Reichembach. Lá, eu não conhecia ninguém. Fiquei isolado, esperando o corpo, que não chegava, até que fui embora. Foi meu esforço numa breve homenagem.
É sumamente triste ver gente como eles irem embora. Com seu desaparecimento, fica um vazio em todos nós e na cultura em geral. Fiquei espantado com o fato de o gerente da administradora com quem ficamos 4 horas no condomínio conhecer a vida e obra do Paulo de Tharso. Nunca imaginaria. O cara aparentemente não tem o perfil de quem curte esse tipo de vida-obra.
Isso só prova que a ferida vai muito mais longe do que imaginamos.
Lembro-me de uma cena em especial em que o Paulo dividia com o Nelson Peres um diálogo a mil por hora lá no fundo do palco. O Paulo usava uma camiseta do Motörhead, creio. Amava aquela cena.
Voltando: resta-nos a pergunta, o que fazer, agora? Como preencher esse buraco? Não sei.
Sei apenas que se quisermos ser coerentes conosco e com eles precisamos aprofundar-nos em tudo o que a cultura de todos nós diz respeito. Não podemos deixar a peteca cair.
Eu, de minha parte, mal sei onde estou a respeito. Nado com efusividade, mas aparentemente não me dirijo a nenhum lugar. Azar.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

Diário Baldio, 7/8/2011, Tusp, BarracãoTeatro

Estréia. Platéia pela metade, o espetáculo começa com sons de rua. Aparece aos poucos Lady, o travesti criação de Gabriel Bodstein. Entramos em seu universo idealizado, de paraíso em meio ao lixo. Não sinto muita empatia. Surge Cotoco (Esio Magalhães). Um ser deformado. Só dá para ver um de seus olhos, e mesmo assim com dificuldade. Não fala, grunhe. Não mexe os braços, os desloca desajeitadamente. Não anda, escorrega com os cotos, com os joelhos. Trava-se o contato. No começo uma distância entre Lady e Cotoco. Aos poucos, Lady embarca na expressividade dos recursos do meio-animal. Que de meio-animal não tem nada. Sabe tocar flauta. Anda de skate. Mas mantém com o mundo o olhar de uma criança. Sempre algo a descobrir, o espanto, a empatia com qualquer detalhezinho do mundo. Sinto-me desfalecer ao me identificar com o ser que conquista a todos com sua inteligência, mascarada por uma aparência que faz jus contudo à sua condição de excluído. Cotoco rouba a cena. Poderia estender-me l...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...