Pular para o conteúdo principal

o choro de uma garota

uma breve história que contei ao hermas e a uma garota chamada monica lá no rio.
eu havia me esquecido. tem a ver com teatro.
...
aconteceu quando eu fazia jornalismo na usp.
eu pegava ônibus todo dia.
uma tarde, entrei num ônibus e sentei ao lado de uma garota, que devia ter uns 18 anos, quem sabe.
conversamos. ela me disse que tinha ido fazer uma prova de redação.
eu lhe disse que interessante, você tem algo que escreveu aí com você?
ela disse que sim, eu li. achei normal.
em seguida, eu lhe disse que eu também escrevia.
ela me disse posso ver algo que você escreveu?
eu disse que sim.
passei a ela um texto que eu havia feito sobre ou para o meu pai.
à época, o bicho estava pegando. meu pai ou estava internado em clínicas psiquiátricas ou voltava bêbado em casa e as discussões rolavam soltas. era o começo de algo que quase me destruiu.
eu não me lembro exatamente sobre o que era o texto.
mas era uma tentativa de comunicação.
a garota leu em silêncio. terminou. chorou. as lágrimas saíam, mas ela não chorava com soluços.
fiquei pasmo. não sabia o que fazer.
tentei falar com ela novamente.
ela se calou.
até o fim do trajeto.
saí do ônibus e ela ficou lá.

* * *

bom, durante minha peça somente uma pequena prova de amor.
eu estava no palco. escondido, ao fundo.
eu sabia o que queria.
queria aquele choro contido de parte da platéia.
eu não sei por que, mas eu queria.
foi que eu vi. ao menos duas garotas, uma do lado esquerdo outra do direito, estavam chorando. sem soluços. como eu queria.
eu havia dito ao brunno - que atuava no centro do palco (era quase um monólogo): quero que você diga o texto não bem friamente, mas sem emoção. simplesmente que diga o texto. como se fosse um fato. não uma sensação.
ele, a muito custo, fez o que eu queria.
num determinado momento da peça, eu aparecia, dizia um texto à platéia e sumia, andando, passando pela platéia, em direção à saída (que ficava nos fundos).
lá no fundo, pelo lado direito, estava o raffael (fabrício), cuidando do som.
lá do fundo, havia toda uma sensação de poder.
eles eram como ratinhos. estavam ao meu dispor.
o espetáculo acabou.
eu disse: "pronto, acabou. daqui a uma meia hora haverá nova apresentação."
eu nem disse obrigado.
as pessoas saíam e falavam comigo.
ninguém tinha entendido nada, e tudo bem. não era para entender.
eu queria mesmo aquele choro - que quem chorou escondeu depois.
eu havia conseguido o que queria.
evoé.

Comentários

Glorinha disse…
talvez sejam suas as lágrimas
escondidas em você, acharam caminho em outros olhares...
Contrera disse…
talvez tenha sido isso mesmo, sim.
bj
contrera

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da

(Em) Branco (de Patricia Kamis, dir. Roberto Alvim, Club Noir, 3as a 5as durante o mês de agosto)

Fui à estreia da segunda peça da leva de oito novos selecionados que o Alvim vai encenar municiado de sua leitura na noite anterior. Esperava ver algo relativamente tradicional e nutria um certo receio de déja vu. A atriz e os dois atores permanecem estáticos em quadrados iluminados por baixo. O caráter estático não se refere apenas ao corpo em contraponto com o rosto, mas também a este, mutável apenas (e repentinamente) por expressões fugazes. Os olhares permanecem fixos. O texto segue a ordem 1, 2, 3 (segundo o Alvim, emissores mas não sujeitos), que eu imaginava que iria entediar. As falas são ora fugazes ora propositalmente lentas e sua relação tem muito a ver com o tempo assumido em um e outro momento. Não irei entrar no âmago da peça. Nem irei reproduzir o que a própria autora, o dramaturgo Luciano Mazza e o próprio Alvim disseram no debate posterior a ela. Direi apenas que durante ela nossa sensibilidade é jogada de um lado a outro num contínuo aparentemente sem fim sem c