Pular para o conteúdo principal

Floresta de Carbono - De volta ao paraíso perdido, de Francisco Carlos, SESC Pompéia, 11/8

Um cenário estupefaciente. O veículo dirigido pelo homem-águia, o servo. Lá dentro, a atriz decadente, casada com o rebelde-sem-causa-ator-sem-presente-nem futuro. Sai ela do carro, discorre sobre o paraíso a que chegam e onde o homem-águia prepara o piquenique. Expressividade enlouquecida, idas e vindas de universos na mente da atriz, que percorre e discorre sobre o presente, o passado, o tênue futuro. Sai, meu tarzã, vem ver o que temos aqui.
Tarzã sai e se mostra, cambaleante, o ator sem presente nem futuro, aquele que queria ser, aquele que queria usar a tradição para encontrar o seu lugar, o seu perfeito lugar, mas nada, nada resta, só lhe resta a rebeldia de quem não tem causa. James Dean, o universo fílmico que invade a floresta. A natureza. O homem-águia, o servo, verifica o estado do veículo.
Quando sai o militar. De dentro de. Sai e jorra discursos, sai e encurrala a atriz, o atorzinho de meia tigela. Sai e contextualiza, sai e engloba o que estaria para ficar por isso mesmo. Um mero saudosismo.
O Jaguar se aproxima. O Jaguar do caulim. O Jaguar cibernético.
Sai e discursa. Sai e questiona. O que são esses, o que é esse, o que é isso. A natureza é minha.
Quando o status se interpõe, e relativiza. Ele é a verdade.
Quando chega o Estado, vestido como dona matrona, uma figura dúbia, homem-mulher, dominante mas com compaixão? Inscreve a posição do Jaguar, do índio. Ele está aqui, na Constituição. Ele está aqui, e não nos deixa dormir. Essa terra é tua, faz proveito, mas saiba, tudo é nosso, é meu, de mais ninguém. Você, com o direito de não ter RG. Com o direito de ficar num passado remoto. De ficar na cultura do que perdeu. O Jaguar não vale nada.
Eis que surge o capital. A puta que castra. A puta que viola. Numa declamação funérea, que boa o pingo nos is, que desloca o índio à sua miséria. O Jaguar.
E o militar, que delimita a terra do índio, que a invade para proteger a nação. Mais uma violação enquanto o Estado assiste cuidado da sola dos pés descalços.
Volta a atriz, faz o Jaguar sucumbir à sua condição de colonizado, de alimentado à força para destroçar seus sentidos. Sua integridade? A violação é o que o faz o que é. Violação que o leva a matar, a comer o coração pois é lá onde mais tem sangue. E sangue é caulim, a vida em gotas.
Uma luz. O Jaguar. O outro. Um novo final característico.
Muito a captar. Caberia assistir novamente. Mas não vale perder.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...

29/7 (a partir de 28) - Teatro e artes

Ontem, ao ouvir o Gerald, quanto a como coloca a musica (depois), e depois ainda, ao ver uma musica passando pela partitura (e me deixando uma impressao de impossibilidade de traducao em algo mais), percebi que a arte finalmente havia voltado a assumir um lugar inextrincavel em mim. Finalmente percebi novamente que ela existia em mim para algo alem da minha vida, e percebi tambem que qualquer motivacao extemporanea (tipo celebridade, valor em si, razao) para ela era, alem de inutil, irrelevante. Percebi isso e na hora me libertei de coisas ao meu redor imensas, que me faziam sentir amargurado por um peso muito grande. Como se eu DEVESSE atribuir algo aa minha vida por me sentir pequeno demais para tudo o que investi nela. Isso fez com que eu tambem entendesse que, quando QUALQUER COISA for bem feita, ja EE arte em si, e por isso mesmo entendi o valor da edicao no cinema, da atuacao, da luz e tudo mais. Tudo adquiriu de repente um valor maior, para alem da vida inclusive.