Pular para o conteúdo principal

Um Longo Adeus (texto: Tennessee Williams, encenação: Grupo Tapa; dir. Flávio Tolezani)

Comunico-me com o Conrado Sardinha, do Tapa, neste espetáculo em que ele faz o personagem principal. Comento que gostaria de um ingresso, ele comenta que somente "amigo", tudo bem, vou, mas ele me dá um ingresso de graça. Melhor.
O universo bas-fond de um Tennessee Williams é hoje considerado por muitos como démodé, fora de moda, sem interesse para o que realmente acontece na sociedade, mas eu não sinto isso, realmente. Percebo que diversos temas abordados pelo norte-americano ainda nos acometem, temas esses que não necessariamente são abordados em Um Bonde Chamado Desejo, sua obra mais conhecida e amada especialmente pelas atrizes que querem fazer a Blanche.
Na peça em questão, o protagonista é um escritor mal-sucedido que acompanha a retirada dos móveis de sua residência, dado que ele está se mudando. Nesse entretempo, ele é invadido pelas lembranças de amigos, da mãe, da irmã, de um possível pretendente a ela, e por aí vai. Os homens da mudança invadem o recinto a todo tempo, e criam um contraponto atual à sua memória.
Não vem ao caso eu me estender sobre o enredo, até porque tiraria muito da graça de quem for assistir, mas algo do realismo apresentado me incomoda. Sinto uma certa apresentação cênica que faz parecer crer, e não consigo que ela me envolva, realmente. Não consigo me deter quanto à representação de cada um dos atores e atrizes, se ela convence ou não, não sei ainda distinguir certos exageros nem nada similar, mas algo me faz crer que eles representam - claro, dirão vocês -, e isso me faz não acreditar no envolvimento que a trama parece exigir.
Simpatizo com a figura patética de um dos homens de mudança, que levam os pertences do protagonista para uma área por baixo de parte da plateia, e percebo o saudosismo que preenche a consciência do protagonista. Poderia emocionar-me, mas não chego a tanto. O bas-fond do Tennessee mais uma vez é representado com simplicidade no palco, e sinto-me mais próximo desse ainda desconhecido. Mas reparo como a direção pode quem sabe fazer a diferença.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...

(Em) Branco (de Patricia Kamis, dir. Roberto Alvim, Club Noir, 3as a 5as durante o mês de agosto)

Fui à estreia da segunda peça da leva de oito novos selecionados que o Alvim vai encenar municiado de sua leitura na noite anterior. Esperava ver algo relativamente tradicional e nutria um certo receio de déja vu. A atriz e os dois atores permanecem estáticos em quadrados iluminados por baixo. O caráter estático não se refere apenas ao corpo em contraponto com o rosto, mas também a este, mutável apenas (e repentinamente) por expressões fugazes. Os olhares permanecem fixos. O texto segue a ordem 1, 2, 3 (segundo o Alvim, emissores mas não sujeitos), que eu imaginava que iria entediar. As falas são ora fugazes ora propositalmente lentas e sua relação tem muito a ver com o tempo assumido em um e outro momento. Não irei entrar no âmago da peça. Nem irei reproduzir o que a própria autora, o dramaturgo Luciano Mazza e o próprio Alvim disseram no debate posterior a ela. Direi apenas que durante ela nossa sensibilidade é jogada de um lado a outro num contínuo aparentemente sem fim sem c...