Pular para o conteúdo principal

Eu sou América (texto: Jerzy Grotowski, Grupo Fondazione Pontedera Teatro e diretores Thomas Richards e Mario Biagini)

Saindo de uma peça no Sesc Consolação, o Loureiro (Marcos, diretor) me viu e chamou. Ele disse que tinha dois ingressos para a peça em questão, e que um estava sobrando. Me deu. Entramos. Encontrei a sempre lindíssima Valentine, e vimos todos juntos.
Não conheço muito Grotowski. Já pensei diversas vezes em ler livros sobre ele, mas por algum motivo não me animo. Sei desse negócio de teatro pobre, mas só de ouvir falar. Mas sinto que ele participa da evolução do teatro em direções que aparentemente e não necessariamente me agradam, e por isso permaneço na ignorância. Um dia decido enfrentar o desafio.
Os atores e atrizes do grupo italiano nos recepcionam nos corredores do teatro. Inclusive o diretor, que surpreende pela amabilidade. Mas há neles algo de encenado, como não poderia deixar de ser, aliás. O grupo é formado por membros de físicos bem variados, homens e mulheres, vestidos como na própria peça que irá vir a seguir. Fazem como que uma amostragem da América à qual eles se referem;
O texto, de Grotowski, é uma espécie de declamação cantada em homenagem e crítica à "América", qual seja, os Estados Unidos. O espetáculo é uma sucessão de músicas, todas muito bonitas e muito bem cantadas, em que diversos aspectos da sociedade norte-americana são colocados à nossa frente e disposição. Os ritmo e melodias trazem à baila a tradição americana em suas variadas origens, e não consigo deixar de me sentir atraído pela forma como o grupo faz tudo bem à nossa frente, sem quaisquer aparelhos para amplificar suas vozes e cantos. Tudo parece uma ópera sem enredo e com personagens que assumem ares diferentes a depender da ocasião.
Mas me sinto incomodado. Não estava pronto para ver europeus criticando os Estados Unidos. Não que nisso haja algo errado - não há, realmente. Mas é que não considero viável bancar uma crítica na atual condição geopolítica, em que a América continua sendo tida como o lugar de criação de uma nova vida por gente originada de todo o mundo. Pois imagino que quase todo latinoamericano adoraria, realmente, mudar de país e se tornar norte-americano (posso estar enganado, claro). Nesse sentido, de onde vem - ou seja, de que registro vem - tal crítica? Não sei.
O espetáculo é ovacionado e ao final o grupo comete mais uma canção, tocada com a ajuda de um membro da produção. Foi bonito e totalmente convincente enquanto espetáculo. Só não sei a mensagem, realmente não sei.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gargólios, de Gerald Thomas

Da primeira vez que assisti a Gargólios, do Gerald (Thomas), na estréia, achei que não havia entendido. Alguns problemas aconteceram durante o espetáculo (a jovem pendurada, sangrando, passou mal duas vezes, as legendas estavam fora de sincronia, etc.) e um clima estranho parecia haver tomado conta do elenco - ou pelo menos assim eu percebi. De resto, entrei mudo e saí calado. Mas eu já havia combinado assistir novamente o espetáculo, com a Franciny e a Lulu. Minha opinião era de que o Gerald, como de praxe, iria mexer no resultado. Por isso, a opinião ficaria para depois. À la Kant, suspendi meu juízo. Ontem assisti pela segunda vez ao espetáculo. E para minha surpresa muito pouco mudou. Então era isso mesmo. Lembro de que minha última imagem do palco foi ter visto o Gerald saindo orgulhoso. A Franciny disse meu nome a alguem da produção, pedindo para falar com o Gerald. Ele não iria atender, e não atendeu. Lembro-me agora de Terra em trânsito, a peça dele com a Fabi (Fabiana Guglielm...

Diário Baldio, 7/8/2011, Tusp, BarracãoTeatro

Estréia. Platéia pela metade, o espetáculo começa com sons de rua. Aparece aos poucos Lady, o travesti criação de Gabriel Bodstein. Entramos em seu universo idealizado, de paraíso em meio ao lixo. Não sinto muita empatia. Surge Cotoco (Esio Magalhães). Um ser deformado. Só dá para ver um de seus olhos, e mesmo assim com dificuldade. Não fala, grunhe. Não mexe os braços, os desloca desajeitadamente. Não anda, escorrega com os cotos, com os joelhos. Trava-se o contato. No começo uma distância entre Lady e Cotoco. Aos poucos, Lady embarca na expressividade dos recursos do meio-animal. Que de meio-animal não tem nada. Sabe tocar flauta. Anda de skate. Mas mantém com o mundo o olhar de uma criança. Sempre algo a descobrir, o espanto, a empatia com qualquer detalhezinho do mundo. Sinto-me desfalecer ao me identificar com o ser que conquista a todos com sua inteligência, mascarada por uma aparência que faz jus contudo à sua condição de excluído. Cotoco rouba a cena. Poderia estender-me l...

4.48 Psicose (peça de Sarah Kane, tradução de Laerte Mello)

Há realmente algo de muito estranho e forte nesta última peça da Sarah Kane. E não é porque ela se matou em seguida, aos 28 anos. O assunto é claro desde o começo: uma depressão mortal. É como se fosse um testamento. Muitos lados da questão são expostos de forma esparsa - não sei se todos nem se isso afinal é possível -, e ao final da leitura a gente fica com um sabor amargo na boca. Dá vontade de reler, muito embora passe o desejo de decifrar. Isto torna-se secundário, aqui. Há algo que permanece, e creio que isso se deva à qualidade do que é feito e à integridade do que é dito. Pego por exemplo, já na primeira página: "corpo (...) contém uma verdade que ninguém nunca fala". É óbvio do que se trata: da extrapolação do fisiológico, de uma lógica de que por mais que se tente diagnosticar "nunca se fala". Abre-se uma porta à compreensão disso que não sabemos muito bem o que é. A força de "Lembre-se da luz e acredite na luz/ Um instante de claridade antes da ...