Acabando de comprar o ingresso para ver pela segunda vez A Dama do Mar, de Bob Wilson, creio conseguir, aos trancos e barrancos, entender o choque que sofri com ele, a crise em que fui metido e a forma pela qual vislumbro uma saída. Admito, um pouco contra a minha vontade, que ele me deixou realmente chapado. Contei isso ao Loureiro e à turma da oficina. Mau de grana, mesmo assim comprei um novo ingresso. Preciso conferir pela segunda vez. Preciso.
Vejo aqui em meu apartamento, folheando Lehmann, que Wilson é o encenador escolhido para a capa desse livro tão influente, sobre o teatro pós-dramático. E isso não parece ser à toa, até porque ele mesmo, o Lehmann, considera Wilson "o" exemplo desse tipo de teatro, presente entre nós a partir dos experimentos mundiais dos anos 70 e 80. Mas não é isso o que me faz dar tanta importância a ele, mas o fato de eu haver lido, já há vários meses, o livro do Galizia sobre o tal, Os Processos Criativos... etc., e haver-me convencido, pela segunda vez - a primeira vez foi durante um curso com o grande Roberto Alvim, que o teatro poderia beber de fontes diversas que não necessariamente a tradição. À época, tendo lido o Galizia, imaginava que o máximo a que poderia me meter seria a emular os esforços do dito norte-americano.
Mas antes eu precisava ver uma peça dele. Acabei chegando nele pela primeira vez em que uma peça sua era traduzida e apresentada em português. Foi coincidência, claro, mas assumo que se o tivesse visto em inglês meu choque teria sido diferente, quem sabe até menor.
A peça, com texto da Sontag, baseia-se na homônima do Ibsen. Eu não a conhecia. A história tem como base uma lenda de uma mulher-foca que se apaixona por um homem e que vê seu retorno ao mar impossibilitado por ele, que roubou e escondeu a sua pele. Um dia, ele esquece a chave do cofre em casa, ela acha a pele, volta ao mar e retorna com o seu par foca. Na peça, a protagonista é uma mulher como que selvagem que não se adapta ao papel de mãe e que é chamada de volta pelo mar. Um dia, ela recebe o convite de um "peixe-macho" para voltar ao mar mas que, mesmo após ter sido liberada pelo marido, com quem teve filhas, resolve ficar em terra, insatisfeita, mas como aparentemente deveria.
Nada do que Wilson usou em cena foi uma surpresa para mim. Eu já sabia dos movimentos lentos, já sabia da importância das cores explodidas ao fundo, dos critérios arquitetônicos a guiarem o cenário, da forma chapada com que os personagens se revelam, das brincadeiras que fazem a graça de certos personagens - no caso, em especial o defendido pela Beth Coelho, etc. Mas uma coisa era saber disso na teoria. Outra é vê-lo na prática. Fiquei chapado, repito. Me senti absolutamente possuído pela simplicidade do palco e da apresentação, pelo bom gosto das peças do cenário, das quais dá para inferir muito da arquitetura contemporânea, inclusive, pelo choque atribuído pelas cores, pela música, que nada tinha de revolucionário, mas que criava um efeito cinestésico extremamente potente, pela junção das cenas, nunca iguais ou mesmo similares apesar de muito parecidas, pelas vestimentas do Giorgio Armani, etc. Tudo fez com que eu não conseguisse desgrudar os olhos do palco. Saí, digo pela terceira vez, chapado. Pelo que me lembro, a ÚNICA vez em que isso aconteceu outra vez na minha vida foi numa apresentação do Cecil Taylor, o pianista de freejazz, no Ibirapuera, em que eu corria de um lado para o outro da plateia para ver e ouvir melhor, sempre melhor.
Antes de mais nada, é interessante perceber o quanto A Dama do Mar é exemplar, por um lado, e por outro lado secundária no elenco dos trabalhos de Wilson. Por que secundária? Porque ela simplesmente repete o que todos vêem de Wilson pelo mundo, nada se referindo às inacreditáveis e inesgotáveis peças da década de 70, aos experimentos com artistas quase autistas, aos vídeos em que ele experimentava com imagem e tempo, aos happenings do começo de carreira com que ele deixava os norte-americanos e europeus no mínimo intrigados. Nada disso está lá, mas tudo está lá, por outro lado. Pois creio que se fosse pelas mãos de outro eu encararia esse artificialismo defendido por Wilson como algo falso, fake. Com ele, faz todo sentido. A gente sente que algo lá atrás faz jus ao que vemos no palco.
Mas ao mesmo tempo, após vê-lo, acabo me sentir mais livre. Explico.
Achei, bem exposto nos quartos dos livros, aqui em casa, o livro do Galizia. Reli o começo. Vi as principais influências que Galizia identificou na obra do norte-americano. Pois então. Não senti A MENOR surpresa. Não vi nada de tão forte em tudo aquilo que antes eu estranhava tanto. Ao contrário. Mas houve uma ressalva: entendi que se eu quisesse seguir meu caminho eu teria de, de alguma forma, partir dele. Não dá, ao menos para mim, para seguir em direção simplesmente oposta. Muito do que ele faz toca profundamente em minhas sensações. A lentidão faz parte de mim. A ausência de movimento. O choque do som. O som pós-moderno. Muito do que ele faz bate profundo em mim, sem a menor falsidade de intenção de minha parte.
Ou seja, rendo homenagem. E por outro lado desde já dou-lhe as costas. É presente, sim, mas já é passado. O futuro aos outros pertence.
Vejo aqui em meu apartamento, folheando Lehmann, que Wilson é o encenador escolhido para a capa desse livro tão influente, sobre o teatro pós-dramático. E isso não parece ser à toa, até porque ele mesmo, o Lehmann, considera Wilson "o" exemplo desse tipo de teatro, presente entre nós a partir dos experimentos mundiais dos anos 70 e 80. Mas não é isso o que me faz dar tanta importância a ele, mas o fato de eu haver lido, já há vários meses, o livro do Galizia sobre o tal, Os Processos Criativos... etc., e haver-me convencido, pela segunda vez - a primeira vez foi durante um curso com o grande Roberto Alvim, que o teatro poderia beber de fontes diversas que não necessariamente a tradição. À época, tendo lido o Galizia, imaginava que o máximo a que poderia me meter seria a emular os esforços do dito norte-americano.
Mas antes eu precisava ver uma peça dele. Acabei chegando nele pela primeira vez em que uma peça sua era traduzida e apresentada em português. Foi coincidência, claro, mas assumo que se o tivesse visto em inglês meu choque teria sido diferente, quem sabe até menor.
A peça, com texto da Sontag, baseia-se na homônima do Ibsen. Eu não a conhecia. A história tem como base uma lenda de uma mulher-foca que se apaixona por um homem e que vê seu retorno ao mar impossibilitado por ele, que roubou e escondeu a sua pele. Um dia, ele esquece a chave do cofre em casa, ela acha a pele, volta ao mar e retorna com o seu par foca. Na peça, a protagonista é uma mulher como que selvagem que não se adapta ao papel de mãe e que é chamada de volta pelo mar. Um dia, ela recebe o convite de um "peixe-macho" para voltar ao mar mas que, mesmo após ter sido liberada pelo marido, com quem teve filhas, resolve ficar em terra, insatisfeita, mas como aparentemente deveria.
Nada do que Wilson usou em cena foi uma surpresa para mim. Eu já sabia dos movimentos lentos, já sabia da importância das cores explodidas ao fundo, dos critérios arquitetônicos a guiarem o cenário, da forma chapada com que os personagens se revelam, das brincadeiras que fazem a graça de certos personagens - no caso, em especial o defendido pela Beth Coelho, etc. Mas uma coisa era saber disso na teoria. Outra é vê-lo na prática. Fiquei chapado, repito. Me senti absolutamente possuído pela simplicidade do palco e da apresentação, pelo bom gosto das peças do cenário, das quais dá para inferir muito da arquitetura contemporânea, inclusive, pelo choque atribuído pelas cores, pela música, que nada tinha de revolucionário, mas que criava um efeito cinestésico extremamente potente, pela junção das cenas, nunca iguais ou mesmo similares apesar de muito parecidas, pelas vestimentas do Giorgio Armani, etc. Tudo fez com que eu não conseguisse desgrudar os olhos do palco. Saí, digo pela terceira vez, chapado. Pelo que me lembro, a ÚNICA vez em que isso aconteceu outra vez na minha vida foi numa apresentação do Cecil Taylor, o pianista de freejazz, no Ibirapuera, em que eu corria de um lado para o outro da plateia para ver e ouvir melhor, sempre melhor.
Antes de mais nada, é interessante perceber o quanto A Dama do Mar é exemplar, por um lado, e por outro lado secundária no elenco dos trabalhos de Wilson. Por que secundária? Porque ela simplesmente repete o que todos vêem de Wilson pelo mundo, nada se referindo às inacreditáveis e inesgotáveis peças da década de 70, aos experimentos com artistas quase autistas, aos vídeos em que ele experimentava com imagem e tempo, aos happenings do começo de carreira com que ele deixava os norte-americanos e europeus no mínimo intrigados. Nada disso está lá, mas tudo está lá, por outro lado. Pois creio que se fosse pelas mãos de outro eu encararia esse artificialismo defendido por Wilson como algo falso, fake. Com ele, faz todo sentido. A gente sente que algo lá atrás faz jus ao que vemos no palco.
Mas ao mesmo tempo, após vê-lo, acabo me sentir mais livre. Explico.
Achei, bem exposto nos quartos dos livros, aqui em casa, o livro do Galizia. Reli o começo. Vi as principais influências que Galizia identificou na obra do norte-americano. Pois então. Não senti A MENOR surpresa. Não vi nada de tão forte em tudo aquilo que antes eu estranhava tanto. Ao contrário. Mas houve uma ressalva: entendi que se eu quisesse seguir meu caminho eu teria de, de alguma forma, partir dele. Não dá, ao menos para mim, para seguir em direção simplesmente oposta. Muito do que ele faz toca profundamente em minhas sensações. A lentidão faz parte de mim. A ausência de movimento. O choque do som. O som pós-moderno. Muito do que ele faz bate profundo em mim, sem a menor falsidade de intenção de minha parte.
Ou seja, rendo homenagem. E por outro lado desde já dou-lhe as costas. É presente, sim, mas já é passado. O futuro aos outros pertence.
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