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O teatro absurdo de Lucas Pitella, de Lucas Pitella (Giostri)

Meus critérios ao ler textos para teatro hoje mudaram.
Quem sabe por estar atuando, agora vejo mais mares revoltos por detrás dos diálogos e considero mais intrometidas as marcações de rubricas, que podem engessar a direção.
Por isso ando lendo bem mais coisas por aí.
Dentre essas "coisas" há o livro do Pitella. O Lucas vem trabalhando lá no Teatro Cemitério algumas destas noites e comprei o livro das mãos dele, claro. Eu já queria lê-lo faz tempo, mas não havia espaço em minha pessoa para tanto. Hoje, apesar de tudo o que venho fazendo, lendo e escrevendo, pasmem, esse espaço acontece.
São quatro peças. Diria curtas, mas não necessariamente. Pois uma peça pode ser bem mais que as falas, hoje sei. Mas porra, são curtas.
Falei a ele o que achei de mais relevante e digo aqui, como testemunho.
As peças têm realmente algo de absurdas. Nada de teatro do absurdo. Os personagens são estranhos e quase caricatos. Os desafios a que eles se vêem sujeitos são concretos, mas algo nos faz crer que haja algo de risível em tudo isso. Não consigo dar crédito real à seriedade do que me é exposto. Não parece sério. Mas é interessante.
Não vou resumir cada uma das peças. Digo apenas que são compostas de diálogos rápidos, certeiros, em frases que por vezes surpreendem - caralho, tô sem o livro aqui para dizer-lhes qual parece ser, em minha opinião, a melhor peça das quatro (é a terceira), e que fazem-nos querer mais - daí começarmos a ler numa corrida e terminarmos em (o Lucas diz) 40 minutos. Se tanto.
Alguns detalhes sobressaem. As tramas em geral são abertas, com muito espaço para desenlaces surpreendentes, mas - para meu pasmo - não é isso o que realmente acontece. Tudo, apesar de imprevisível, torna-se em nosso interior algo previsível. Dá um afã de tentar entender melhor sem haver muito o que entender, ao final das contas. Outro detalhe é que o Lucas, de caso pensado, explica na rubrica o que vai acontecer logo a seguir. Daí dá uma impressão estranha: caralho, como usufruir da morte de alguém se essa morte é anunciada? Caralho, dá quase uma raiva, isso. Mas é interessante. No final das contas, é interessante.
Por usar de poucas rubricas e pela rapidez das cenas, dá vontade de ver encenadas todas essas peças. Não diria que sejam leves - não o são, pela crueza das falas, pela moralenga estranha que surge da boca dos personagens -, mas são engraçadas apesar de tudo.
Um aspecto relevante em tudo (eu disse ao Lucas) é que as peças não me parecem realistas - daí dar vontade de criar bastante em caracterizações estranhas, atribuir propriedades aos personagens que podem não estar necessariamente naquilo que eles dizem, etc. Dá vontade de brincar com a liberdade de criar. Interessante isso, na medida em que textos realmente legais faltam por aí.

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