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Atuar e assistir

Estou nas minhas terceira e quarta peças em que atuo profissionalmente. Sempre convidado pelo Marião.
Isso faz com que fique bem contente e satisfeito em poder merecer a confiança de gente que prezo muito.
Acontecem algumas coisas, porém, que me fazem refletir. Compartilho com vocês algo dessas coisinhas.
Primeira: por atuar não posso ver as peças em que atuo.
Isso é óbvio, dirão. Sim, óbvio é, sim. Porém, para mim, que quero entender sempre tudo o que acontece no meio, e me posicionar nem que seja com os meus botões, isso é estranho. Primeiro porque ao participar estou mais por dentro da peça do que quem assiste, mas por isso mesmo estou também mais alheio, pois, envolvido nas cenas em que atuo, dispenso atenção às cenas de meus colegas mas não consigo FORMAR UMA IMPRESSÃO GERAL DO TODO. É sobremaneira curioso saber MAIS e saber MENOS - AO MESMO TEMPO. Não que isso me deixe chateado, não deixa. Mas é curioso como a gente pode se alhear ao mesmo tempo em que se afunda numa determinada peça;
Outra coisa interessante é que, em toda peça, digo, cada uma em particular, existe uma impressão geral diferente ao pisar o palco. Na Dias e Noites, a cena em que eu atuava girava em grande parte ao redor de mim. Nesse sentido, eu encarava o palco como uma arena em que eu era atração principal e em que não poderia errar de todo com receio de tudo se perder.
Já em À Queima-Roupa meus personagens eram, quase sempre, secundários, e tudo ou quase tudo girava em torno da ação que o Cardan (o Mário) desenvolvia comigo - como o professor que morria com tiros e como o Abílio, irmão do Dimas, amigão do Cardan. Nessa peça, minhas falas eram poucas mas precisavam ser ditas com precisão inabalável de forma a que tudo pudesse funcionar a contento como uma verdadeira máquina. A precisão, no jogo tête a tête com o Marião, era fundamental. Tudo nos décimos de segundo. Outra novidade é que eu morria e caía vezes sem conta no chão. No começo foi difícil sair sem me sentir meio machucado. Depois acostumei. Morria e acho que morria bem.
Já agora, nas peças Ovelhas que voam se perdem no céu, do Daniel Pellizzari, e Clavículas, do Cristiano Baldi, respondo por alguns papéis (dois em cada) que no conjunto com os meus colegas (quase 20 no total) montam o panorama de cada uma das peças. Nesses papéis, ora a precisão é fundamental - como no maconhado de Ovelhas -, ora o jogo com o parceiro precisa ser extremamente azeitado - como no Porteiro de Clavículas. Minha percepção do que acontece esse tempo todo é diferente das outras vezes. Há uma percepção mais integral do enredo ao mesmo tempo em que muito - por não poder assistir a peça - acaba sendo perdido inapelavelmente - como na cena do Nelsinho com a Majeca, no fim de Ovelhas, ou mesmo na cena com o Eldo e a Toty, no começo. As músicas entram de forma diversa no divisar da trama.
Tenho aprendido - creio - muito esse tempo todo. E agradeço a todos, especialmente ao Marião, que me convidou tão gentilmente, e aos amigos atrizes e atores, que convivem com este ser macambúzio com tantas dificuldades de decorar texto - embora na hora eu não falhe (graças a Deus).
Engraçado como a cada vez o palco aparece diferente. Engraçado como a coletividade dos atores engloba a todo e a qualquer um nesse afã tão verdadeiro de colocar arte no palco. Eu só posso mesmo me esbaldar. E me dedicar.

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